DESIGUALDADE ENTRE MUNICÍPIOS DO RN PODE CAIR ATÉ R$ 73,5 VEZES

A aplicação das novas regras e alíquotas com a reforma tributária, aprovada no fim do ano passado, pode reduzir a distância entre mais ricos e mais pobres em até 73,5 vezes no Rio Grande do Norte na receita per capita dos municípios, ao final da transição, em cinquenta anos. É o que aponta um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou as cidades mais ricas e mais pobres de todo o Brasil. Na avaliação de especialistas, tributaristas e economistas essa é uma das principais mudanças no sistema tributário nacional, uma vez que a taxação será no consumo, beneficiando cidades e estados que consomem mais do que produzem.


Segundo o estudo do Ipea, assinado pelos pesquisadores Sérgio Wulff Gobetti e Priscila Kaiser Monteiro, a redistribuição de receitas prevista na esfera municipal reduziria em 21% o grau de desigualdade entre os municípios, medido pelo Índice de Gini. A grande diferença hoje existente entre os municípios mais ricos e mais pobres deve cair em todas as UFs. Atualmente, no RN, a distância, em termos de desigualdade, entre Guamaré, cidade mais rica com receita per capita de R$ 10,734, e Extremoz, a mais pobre, com uma receita per capita de R$ 137, é de 78,1 vezes. No pós-reforma, essa diferença cai para 4,6 vezes. Para esse cálculo, o Ipea soma as receitas arrecadadas com Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Segundo a economista e pesquisadora do Ipea, Priscila Kaiser Monteiro, a desigualdade entre os municípios se reduz essencialmente pela redistribuição da arrecadação dos impostos de ISS e ICMS, uma vez que a tributação será feita em cima do local onde o consumo daquele produto ou serviço estará ocorrendo. “Isso amplia a participação dos municípios nas receitas, inclusive das grandes cidades. Além disso, outro caminho se dá pela distribuição da cota-parte pela população em vez de VAF (Valor Adicionado Fiscal): assim como o critério do destino, tal medida favorece os municípios mais pobres, que consomem mais do que produzem. Dessa forma, a unificação da base tributária entre bens e serviços, além da aplicação do princípio do destino, proporcionará uma redução substancial da desigualdade de receitas municipais”, explica.


Para Rodrigo Lima de Oliveira, mestre em economia e pesquisador em políticas públicas, uma das mudanças significativas trazidas pela reforma tributária é que os municípios, mesmo com o IBS sendo um único imposto, poderão alterar suas alíquotas, desde que não diminuam a arrecadação atual.

Início da transição e mudanças preocupam prefeituras do RN

Representantes tributaristas dos municípios de Guamaré e Extremoz, citados no estudo do Ipea, têm visões distintas acerca da reforma, ao passo que convergem em preocupações acerca do futuro com o início da transição e as mudanças no sistema.


Guamaré, localizada na Costa Branca do Estado, é conhecida por figurar no ranking dos principais PIBs per capita do RN em função de ser uma das principais cidades fontes de energias renováveis do Estado e pela indústria de petróleo e gás, com destaque para Refinaria Potiguar Clara Camarão. O titular da Tributação de Guamaré aponta que a discussão no Congresso foi “atropelada”.


A cidade de Extremoz, apontada como a mais pobre no quesito per capita no RN, vive ainda outra situação: o boom populacional e imobiliário vivenciado nos últimos 10 anos. O aumento foi de 150% na população da cidade, saindo de 24.550 habitantes em 2010 para 61.381 habitantes em 2022, segundo dados do Censo do IBGE. A situação fez com que a prefeitura buscasse a justiça para reaver quase R$ 40 milhões em recursos do FPM, alegando repasses desproporcionais. A secretária de Tributação da cidade, Erikenia Assunção, repercutiu o tema e cobra estruturação adequada para os municípios na implementação da reforma tributária.

Novo regime prevê fundo com 3% da receita livre de IBS

O novo regime tributário prevê a constituição de um fundo (seguro-receita) que receberá 3% da receita livre de IBS (ou seja, a receita não retida para distribuição segundo as regras atuais). Esse recurso será repartido entre os estados e municípios que apresentarem maior perda relativa de receita, cuja receita per capita não exceda a três vezes a média nacional.


Trata-se de um fundo que beneficia aqueles entes cuja fatia no bolo estiver caindo gradualmente em função das mudanças, excetuando o caso de municípios desproporcionalmente ricos, que terão direito de compensação, mas somente até o teto de três vezes a receita média per capita.O estudo do Ipea aponta dois efeitos atenuadores sobre a receita dos perdedores: o efeito proporcionado pelo crescimento da economia e das receitas, à medida que a fatia do bolo destes entes vai sendo reduzida; e a compensação proporcionada pelo seguro-receita, que restringe a perda relativa a um patamar máximo igual para todos os entes federados.


Antecipando os resultados das simulações, o estudo do Ipea aponta que o fundo constituído com 3% das receitas do IBS limitaria a perda máxima de participação no bolo a 27% em qualquer cenário de crescimento econômico. “Concretamente, nenhum estado ou capital teria perda relativa superior a esse percentual até o último ano da transição”, diz o estudo.


No horizonte de vinte anos, segue a análise, “no máximo treze municípios teriam perdas efetivas de arrecadação em um cenário pessimista de desempenho da economia. Em cenários mais otimistas, com economia crescendo em média 2,5% a.a. depois da reforma tributária (um pouco acima da média), nenhum município terá perdas até o trigésimo ano, e apenas cinco terão perdas até o quinquagésimo ano”.


Com as mudanças tributárias, a apropriação e distribuição dos impostos sobre o consumo serão submetidos a uma regra de transição gradual, que durará 50 anos, período no qual a receita dos impostos será dividida em duas partes, sujeitas a critérios de repartição diferentes. Uma parcela decrescente das receitas será repartida de acordo com os percentuais de participação de cada Estado e município no bolo tributário (média entre 2024 e 2028); e uma parcela crescente das receitas será distribuída de acordo com o princípio do destino e, no caso dos municípios, segundo os novos critérios de rateio da cota-parte (população principalmente).


De forma simplificada, a transição prevê que, em cinco anos, 90% da receita do IBS ainda estará sendo distribuída pela regra antiga e 10% segundo as novas regras. Esses dois percentuais irão cair e aumentar, respectivamente, dois pontos percentuais ao ano, de modo que, apenas no quinquagésimo ano, toda receita será integralmente entregue ao destino. No meio da transição, em 25 anos, 50% do bolo de receitas ainda será distribuído de acordo com o status quo atual (média de 2024 a 2028).