Falar em São João do Nordeste é remeter ao ritmo, brilho e alegria das quadrilhas juninas. Contudo, mesmo com a sua relevância cultural e econômica, esses grupos têm passado por dificuldades para manter a tradição. No Rio Grande do Norte, se um dia a quantidade chegou a 200 quadrilhas juninas, hoje são apenas 70 em atividade. A redução é um alerta para a falta de incentivos que o segmento necessita. As que se mantém, contam, principalmente com o esforço e dedicação de seus integrantes para manter viva a tradição de um dos maiores festejos do povo nordestino.
O Diretor da Liga Independente de Quadrilhas Juninas do Rio Grande do Norte (Liquajutern), Alex Melo, destaca que o Rio Grande do Norte foi pioneiro nos festivais de quadrilhas, mais especificamente no bairro das Quintas, onde surgiu o primeiro grupo estilizado do estado. “A partir daquele início, o Rio Grande do Norte se tornou destaque nas quadrilhas juninas, sendo até hoje um dos estados mais temidos dentro das competições regionais e nacionais”, conta.
Apesar de se destacar no segmento, o estado vem perdendo força nos últimos anos, com o fim de grupos, que levam consigo a tradição junina. “Éramos mais de 200 grupos aqui no estado, hoje restam apenas 70, sendo destes 16 grupos na capital. Sabemos que num amanhã cada vez mais próximo nós poderemos não ter mais nenhum, se continuar assim”, prevê o Alex.
Os quadrilheiros se queixam da falta de investimentos da parte do poder público nos festivais e de incentivos aos grupos. O diretor da Liquajutern destaca que isso também é uma perda econômica, visto que os eventos culturais movimentam a economia do país. “Nós temos dados oficiais do Ministério do Turismo e da Cultura que no ano passado os eventos de quadrilha junina movimentaram 3,3% do PIB do Brasil, enquanto no RN, apenas os seis maiores grupos do estado movimentaram R$1,25 milhão. Vendo números tão significativos nos faz questionar a razão para não haver investimento público no setor, enquanto os estados vizinhos estão investindo de 2 a 3 milhões nos eventos”, enfatiza Alex.
Ele também aponta dados da própria Secretaria de Segurança do Estado do Rio Grande do Norte, de que no período de abril a julho a violência entre jovens e adultos despenca. Para ele, as atividades dos grupos juninos contribui com o bom índice. “O jovem e o adulto quando estão dentro das quadras ensaiando, estão ocupados em fazer cultura popular e participar da tradição do estado” diz ele.
Esse efeito social dos grupos de quadrilhas também é defendido por Marco Aurélio, que presidente a Quadrilha Junina Rei Do Baião. Ele diz que as quadrilhas organizadas se preocupam além da dança, em oferecer aos jovens quadrilheiros outras atividades que os afastam da violência. “Sempre fico percebendo os jovens pelo bairro e escola onde trabalho e convido eles a participarem da quadrilha. Por nem todos terem interesse, iniciei também escolinhas de vôlei e futebol masculino e feminino, pois o que me interessa mesmo é conseguir tirar os jovens das ruas, para que não entrem para a criminalidade ou atividades ilícitas”, conta o quadrilheiro.
O irresistível chamado para a dança
Foi a felicidade destacada nos semblantes dos apaixonados pelas quadrilhas que atraiu Felipe Pereira a entrar para o grupo de quadrilhas. Após anos vendo a satisfação de amigos e familiares com a entrega à dança junina, o jovem decidiu que 2024 seria o seu ano de entrar para o mundo das quadrilhas. “Tinha muito receio com os passos de dança, achei que nunca conseguiria, mas resolvi tentar mesmo assim, pois sentia a necessidade de pertencer a um grupo como vi as pessoas ao meu redor pertencendo”, conta Felipe, que estreará na Quadrilha Junina Rei Do Baião.
Felipe conheceu o grupo ainda criança, quando via as primas mais velhas ensaiando e viajando pelo estado para participar dos festivais. “Hoje estou completamente satisfeito com a minha decisão, e agora com a aproximação do início das apresentações, eu só quero sentir a emoção que todos falam que sentem quando entram nas quadras”, destaca o jovem.
A atração que o movimento e alegria gerava nos participantes também foi o que levou Eugênio Igor a embarcar na vida de quadrilheiro. “Eu via meus amigos participando dos eventos, desmarcando compromissos para estarem em ensaios, ficando curioso para saber como seria participar também. Desde o dia em que iniciei eu nunca mais parei, há 10 anos está fixada na minha rotina”, relata.
Ele também acredita que as quadrilhas são importantes para as comunidades pois tiram os jovens das ruas, diminuem as chances de entrarem para a criminalidade. “Por isso acredito ser tão importante o fortalecimento da tradição, o fomento à essa forma de representação cultural dentro do estado”, destaca Eugênio.
E uma vez quadrilheiro, sempre quadrilheiro. Foi assim que, entendendo a importância do resgate da cultura nordestina que as quadrilhas representam, Jéssica Beatriz retornou para a dança após passar anos afastada. O período em que se distanciou foi para cuidar da família, mas diz que o amor pela dança a fez querer voltar. “O momento que eu encontro meus amigos é nos ensaios da quadrilha. Passamos tanto tempo juntos, tantos encontros para ensaios e alinhamentos, que já tenho todos como uma família mesmo”, comenta.
Para ela, quem não vivencia o universo das quadrilhas juninas pode não entender o apego que os integrantes demonstram. “Só vivendo para saber a sensação mesmo”, frisa Jéssica. Ela e Eugênio representam o Rei e Rainha (do milho) no Grupo Junino Coração Matuto.
Mais um grupo está encerrando atividades
A dificuldade de manter viva a tradição, narrada pelo presidente da Liga das Quadrilhas Juninas no Estado fica evidente na Quadrilha Junina Balão Dourado. Neste ano de 2024, o grupo encerrará suas atividades.
“Nós costumamos levar as apresentações do grupo para além do RN, então o que já não é barato encarece ainda mais”, destaca Thaísa Lira, que está na quadrilha há 20 anos. Ela diz que o grupo precisa de quase R$ 500 mil para manter as atividades, com uma estrutura de três ônibus, dois caminhões e três bandas para as apresentações.
A Balão Dourado foi fundada em Março de 1997 e registrada seis anos depois. Thaisa conta que o seu chamado para o grupo veio ainda criança, quando via as pessoas com os vestidos esvoaçantes e se imaginava um dia poder usar eles. Foi lá que ela formou seu ciclo de amigos que considera como uma família. “Depois de muito sonhar eu entrei na quadrilha aos 17 anos e desde então nunca parei, mesmo com as dificuldades que foram surgindo.
Nunca cogitei abandonar. A quadrilha me ajudou e me amparou em momentos difíceis da minha vida, por isso me doi tanto imaginar a minha vida sem o meu grupo”, destaca a quadrilheira que pretende parar com a dança junto com o grupo.
Terapia
A dança também funciona como terapia, como ocorreu com Karoline Oliveira, que encontrou nas quadrilhas a ajuda que necessitava para restaurar sua saúde mental. “Tenho certeza que foi a dança que me salvou. Além de ter vivido fortes episódios de ansiedade, eu estava entrando num quadro depressivo quando a dança me resgatou. Sei que é na dança que eu extravaso toda a minha energia”, conta Karoline, que está na quadrilha Junina São João desde 2017.
“Como quadrilheira, nós buscamos recuperar essa tradição junina que nós vemos como de extrema importância para a cultura não só do Nordeste como também do Brasil, já que é uma atividade que, além do impacto social e cultural, também tem grande impacto econômico para costureiras, músicos, e até mesmo os vendedores ambulantes dos locais dos eventos”, frisa Karoline.