ANALFABETISMO E DESIGUALDADES IMPEDEM O CRESCIMENTO DO RN

Rio Grande do Norte registra altos índices de analfabetismo e abandono escolar que comprometem seu desenvolvimento social e econômico. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua 2024), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que 12% da população com 15 anos ou mais é analfabeta, o dobro da média nacional, o que representa cerca de 360 mil pessoas. O abandono escolar no Ensino Médio ultrapassa 10%, uma das maiores taxas do país. Apenas 21,9% dos jovens de 18 a 24 anos frequentam a universidade, abaixo da média nacional de 27,1%. Apesar de liderar o Nordeste com média de 9,6 anos de estudo, o RN ainda enfrenta barreiras que prejudicam a aprendizagem, a equidade e o acesso ao ensino superior.

A desigualdade educacional é marcada por gênero, idade e raça. Entre os homens, 13,5% são analfabetos, quase o dobro das mulheres (7,7%). Entre idosos, 27,8% não sabem ler nem escrever, quase o dobro da média nacional para a mesma faixa etária. A população negra enfrenta índices mais elevados: 11,5% de pretos e pardos são analfabetos, frente a 8,7% de brancos. O Ensino Fundamental tem 99,5% das crianças de 6 a 14 anos matriculadas, mas apenas 69,7% dos adolescentes de 15 a 17 anos frequentam o ensino médio adequado.

A subcoordenadora de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Estado da Educação (Sueja/Seec), Liz Araújo, explicou que o analfabetismo no RN é resultado de décadas de descaso histórico. “A produção de pessoas analfabetas vem se acumulando há cerca de 50 anos e se agravou com o golpe militar, que retirou do estado as campanhas de alfabetização”. Segundo ela, o RN iniciou políticas próprias em 2019, com recursos próprios, que foram reconhecidas pelo IBGE como responsáveis pela redução do analfabetismo no período, mesmo sem apoio federal durante a pandemia.

Hoje, três programas do Brasil Alfabetizado (PBA) estão em andamento. “No PBA 2024, destacamos um projeto em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos voltado para pessoas idosas com 60 anos ou mais. São 83 turmas específicas para idosos, um diferencial desse programa”, afirmou Liz. Ela ressaltou que essas iniciativas alcançam principalmente pessoas negras, periféricas, mulheres e em situação de vulnerabilidade social, contribuindo para reduzir desigualdades.

A alfabetização de jovens e adultos precisa, no entanto, ser acompanhada da continuidade na educação básica. “Alfabetizar não é apenas ensinar a ler e escrever. Se a pessoa aprende, mas não dá continuidade, volta ao analfabetismo. Precisamos pensar na educação básica completa”, explicou. O RN planeja inserir, a partir de 2026, a alfabetização de jovens e adultos na rede regular, tornando-a uma obrigação permanente, independente de governos.

Desigualdades de gênero, idade e raça

A doutora e mestra em Educação Cláudia Santa Rosa, ex-secretária de Educação do RN, destacou que o aumento do tempo médio de estudo não garante aprendizagem adequada para todos. “Temos uma escola que acolhe as diversidades, mas não garante equidade. Parte significativa da população analfabeta tem mais de 60 anos e foi criança à época em que a escola era ainda mais excludente e seletiva”, disse.
Sobre a baixa conclusão do Ensino Médio, que atinge apenas 28% dos homens e 30% das mulheres, ela observou que “o principal obstáculo começa na base, na Educação Infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. O processo de alfabetização tardio e aprendizagens precárias geram fracasso escolar, abandono e evasão”.

Cláudia enfatizou que as desigualdades de gênero e raça afetam diretamente a progressão educativa. “As meninas, de modo geral, têm perfil mais afeito a seguir orientações e serem disciplinadas, enquanto os meninos desistem da escola com mais facilidade. Já a questão racial se manifesta em histórias familiares de oportunidades restritas, discriminação e exclusão social”.

Para a especialista, o caminho para reduzir desigualdades passa pelo fortalecimento da escola, com espaços dignos, professores por todos os componentes curriculares, materiais didáticos adequados e metodologias conectadas com o estudante do século XXI. “A escola precisa funcionar, no mínimo, os 200 dias letivos para todos os estudantes”.

Educação de jovens e adultos como política permanente

O professor do Centro de Educação da Universidade Federal do RN (UFRN), Alessandro Azevedo, doutor em Educação e mestre em Ciências Sociais, alertou que o analfabetismo permanece acima da média nacional devido à ausência de políticas permanentes e estruturadas de alfabetização. “Programas e projetos de curta duração, descontínuos, sem planejamento e articulação entre as redes e a sociedade civil organizada não resolvem o problema”, afirmou.

Ele destacou que a concepção vigente trata a educação de adultos como favor, e não como direito, reforçando que é preciso reconhecer a população jovem e adulta pouco ou não escolarizada como detentora desse direito.

Alessandro também apontou o descompasso entre a vida de trabalhadores e a oferta escolar. “Atualmente, em razão da reforma trabalhista, os trabalhadores vivem sob regimes precários e imprevisíveis. A escola que ainda lhes é oferecida é regida por lógicas rígidas e previsíveis. Isso só poderá ser superado com políticas educacionais flexíveis e diversificadas, que respeitem seus próprios ritmos e tempos”.

Segundo ele, fatores históricos e sociais, como envelhecimento, precariedade econômica e ausência de oportunidades permanentes de leitura e escrita, agravam o analfabetismo. “É uma ilusão pensar que a educação de adultos se resolve com campanhas episódicas”, concluiu.

Formação e valorização docente

O coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do RN (Sinte-RN), Bruno Vital, ressaltou que formação continuada e valorização docente impactam diretamente no combate ao analfabetismo. “Quando os professores têm formação continuada, ficam mais qualificados e podem prestar um melhor serviço. Isso impacta na aprendizagem e na evolução dos alunos”, afirmou.

Ele destacou que salários, carreira e formação fazem diferença. “Professores bem remunerados têm mais dedicação, podem planejar, se especializar e oferecer educação de qualidade”, disse, apontando disparidades entre Natal e o interior.

“No interior, transporte escolar, infraestrutura e acesso à formação são problemas que afetam a permanência e conclusão do ano letivo. É preciso garantir que os alunos do interior tenham as mesmas oportunidades que os da capital”, afirmou. Bruno acrescentou que a ampliação do ensino superior no interior e igualdade de condições de infraestrutura são fundamentais para reduzir desigualdades e melhorar a educação regional.

Gargalos estruturais e impactos no desenvolvimento

O RN apresenta diferenças na escolaridade por gênero e raça. Mulheres estudam em média 10 anos, enquanto homens têm 9,2 anos. Por raça, brancos têm média de 10,1 anos e pretos e pardos, 9,2 anos. Mesmo com avanços, homens e pessoas negras ainda têm menos anos de estudo, o que limita oportunidades de emprego, renda e participação social.

Apesar da liderança regional, o RN convive com desigualdades profundas que travam o desenvolvimento humano e econômico. “Aprender com experiências exitosas e escalar o que funciona bem é urgente. Bons resultados só se repetem quando incorporados ao repertório de políticas educacionais”, reforçou Cláudia Santa Rosa.

Segundo especialistas, sem investimentos estruturais e permanentes, o atraso educacional continuará travando o desenvolvimento do RN. “Quando falamos de pessoas jovens e adultas pouco ou não escolarizadas, estamos falando da massa de trabalhadores que produzem e consomem. O desenvolvimento social passa por oferecer educação de qualidade, respeitando seus próprios ritmos e tempos”, afirmou Alessandro Azevedo.

Com 360 mil analfabetos, Ensino Médio em crise e desigualdades estruturais de gênero, idade e raça, o RN segue travado em áreas estratégicas para o desenvolvimento, mesmo com avanços pontuais e programas reconhecidos nacionalmente. A educação, segundo especialistas e gestores, precisa deixar de ser tratada como favor e se consolidar como direito universal, permanente e inclusivo.

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