A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que, antes do atentado que matou a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) e o irmão dele, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão, descartaram a execução do deputado licenciado Marcelo Freixo (PT-RJ) porque ele “gozava de grande projeção política”. “Eliminá-lo poderia gerar grande repercussão”, diz a Procuradoria na denúncia apresentada nesta semana contra os irmãos Brazão.
A acusação formal oferecida contra Chiquinho e Domingos, denunciados ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de homicídio e organização criminosa, insere o assassinato de Marielle em um contexto de embates políticos com o PSOL, partido da vereadora e antiga sigla de Freixo.
De acordo com o documento da PGR, os irmãos Brazão tinham interesse em flexibilizar regras para a exploração de loteamentos na zona oeste do Rio, mas iniciativas do partido de Marielle “tornaram-se um sério problema” para os negócios pretendidos por Chiquinho e Domingos.
O histórico de embates com o PSOL é antigo, narra a denúncia. Em 2008, no relatório final da CPI das Milícias, os irmãos Brazão foram apontados como beneficiários do “curral eleitoral” formado por pressão da milícia de Oswaldo Cruz. O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito foi o então deputado estadual Marcelo Freixo.
‘ANIMOSIDADE’
A Procuradoria também lembra que a bancada do PSOL questionou a eleição de Domingos Brazão para cadeira no Tribunal de Contas do Estado. O partido foi à Justiça contestar a escolha, alegando que ele não tinha “notório saber jurídico”, um dos pré-requisitos para assumir o cargo no TCE-RJ.
“Tudo isso contribuiu para elevar o estado de animosidade entre os irmãos Brazão e o PSOL. Mas ainda não se cogitava de nenhuma reação violenta. Em primeiro lugar, porque as políticas de regularização fundiária, de interesse dos denunciados, não haviam sido afetadas”, sustenta a Procuradoria na denúncia.
De acordo com as investigações, a primeira “providência” tomada por Chiquinho e Domingos foi infiltrar no partido o miliciano Laerte Silva de Lima, preso e condenado na Operação Intocáveis, que repassava informações aos irmãos. Ele se filiou ao PSOL após as eleições de 2016.
Com sua atuação na Câmara Municipal do Rio – onde foi colega de Chiquinho Brazão -, a partir de 2016, Marielle passou a confrontar os irmãos Brazão e a ser vista como uma “ameaça” à expansão de negócios dos milicianos. Por isso, segundo a PGR, foi eliminada.
“Marielle se tornou, portanto, a principal opositora e o mais ativo símbolo da resistência aos interesses econômicos dos irmãos. Matá-la significava eliminar de vez o obstáculo e, ao mesmo tempo, dissuadir outros políticos do grupo de oposição a imitar-lhe a postura”, diz trecho da denúncia. “Foram nas divergências sobre as políticas urbanísticas e habitacionais que os irmãos Brazão perceberam a necessidade de executar a vereadora”, afirma a PGR.
‘AUTORIDADE’
O relacionamento mais estreito seria, segundo a Procuradoria, com criminosos dos bairros de Oswaldo Cruz, Rio das Pedras e Jacarepaguá, onde os irmãos Brazão exerciam “autoridade política”. Quando saiu candidato a vereador, nas eleições municipais de 2012 e 2016, Chiquinho Brazão foi o político mais votado em Rio das Pedras. Domingos Brazão, que antes de ser nomeado conselheiro do TCE-RJ cumpriu quatro mandatos na Assembleia Legislativa do Rio, teve desempenho parecido. Ele foi o candidato a deputado estadual mais votado na comunidade nas eleições de 2010 e 2014.
“É de conhecimento comum que, nos espaços territoriais controlados por milícias, apenas candidatos por elas apoiados são autorizados a realizar campanha eleitoral. Em contrapartida, os eleitos se comprometem a patrocinar os negócios dos grupos paramilitares junto às instituições de Estado”, diz a denúncia.
O ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa também foi denunciado, por homicídio. Os irmãos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa estão presos desde março. Por meio de suas defesas, eles negaram participação nos assassinatos de Marielle e Anderson.
Estadão Conteúdo