CONSELHO AUTORIZA QUE FARMACÊUTICO PRESCREVA MEDICAMENTOS; MÉDICOS REAGEM

O Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicou uma resolução que autoriza farmacêuticos a prescrever medicamentos, incluindo aqueles que exigem receita médica. A nova norma foi divulgada no Diário Oficial de segunda-feira (17) e passa a valer no mês que vem.

Segundo o CFF, a prescrição de remédios que precisam de receita estará restrita ao farmacêutico que possua Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínicaado. Esse registro foi instituído pelo CFF este ano e será a quem faz cursos de qualificação em áreas específicas.

🔴 No ano passado, o CFF já tentou uma medida parecida, que incluía a prescrição médica. No entanto, ela foi derrubada pela Justiça Federal. Antes que o processo fosse concluído, a conselho tentou uma nova resolução. Especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que a autorização de prescrição pode ser derrubada antes mesmo de entrar em vigor.

A medida gerou reação de associações médicas (leia mais abaixo), que questionam a capacitação dos farmacêuticos para a função e alegam que a atividade não faz parte do escopo dos farmacêuticos.

🔴 O exercício da medicina e da farmacêutica são regulamentados com leis que definem o que faz parte de sua atividade profissional. De fato, não há qualquer citação à diagnóstico e prescrição de medicamento. No entanto, o CFF se baseia em uma definição de perfil farmacoterapêutico, o que é questionado por especialistas. (Entenda mais abaixo)

O que diz a regulamentação

Entre outros pontos, a resolução CFF Nº 5 DE 20/02/2025 permite que o farmacêutico:

  • prescreva medicamentos (incluindo os de venda sob prescrição);
  • renove “prescrições previamente emitidas por outros profissionais de saúde legalmente habilitados”;
  • faça exame físico de sinais e sintomas, realize, solicite e interprete exames para avaliação da efetividade do tratamento.

Para isso, eles se basearam na licença que o farmacêutico tem de traçar o perfil farmacoterapêutico do paciente. Para o CFF, isso dá ao farmacêutico o direito de prescrever medicamentos e renovar receitas.

g1 conversou com advogado especialista em Bioética e Professor de Bioética e Direito das Organizações de Saúde da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, Henderson Furst. Ele explica que esse não é o entendimento legal.

“O perfil diz respeito a entender a reação entre medicamentos que aquele paciente toma. Por exemplo, a ginecologista passa uma medicação e o cardiologista outro. Esses médicos não se falam. Quando você vai comprar, o farmacêutico pode avaliar se há interação entre as medicações, se você deve voltar ao médico para rever. É muito mais sobre um reforço de cuidado com o paciente. Ela não pode, por exemplo, sinalizar a interação e trocar a medicação”, explica.

A resolução ainda permite que o farmacêutico:

  • Colete dados por meio da anamnese farmacêutica
  • Faça exame físico com a verificação dos sinais e sintomas
  • Realize, solicite e interprete exames para avaliação da efetividade do tratamento

A proposta do conselho é que o profissional faça algo como uma consulta médica. A proposta de pronto-atendimento em farmácias vem sendo ventilada no ramo, com uma das gigantes do segmento anunciando a proposta como parte dos seus planos futuros. O advogado explica que a regulamentação está tentando atender uma demanda de mercado, mas que há muitas lacunas legais.

“A proposta é que o farmacêutico atue como médico, mas não há legalidade nisso. É uma tentativa de entrar em um mercado, mas estamos falando de saúde. Se ele solicitar exames, como o plano médico vai aceitar um pedido? O SUS vai aceitar uma solicitação de exame feita na farmácia?”, questiona.

Ao g1, o CFF:

  • rebateu as críticas de entidades médicas, dizendo que a “prescrição terapêutica não é atividade privativa dos médicos”;
  • afirmou que a prescrição de medicamentos está “vinculada” aos farmacêuticos com registro de especialista;
  • que os farmacêuticos não podem prescrever medicamentos que possuam “notificação de receita, como os chamados de tarja preta”;
  • que a decisão está embasada na lei que regula a profissão e nas diretrizes curriculares do curso de farmácia.

🔴 g1 questionou como será feita a fiscalização, já que, ao poderem diagnosticar, os profissionais passam a ser responsáveis pelos seus diagnósticos e pelas possíveis implicações. A entidade, porém, informou que isso só será definido após a medida entrar em vigor.

Antes, disputa judicial sobre prescrição

A nova resolução do CFF foi publicada poucos meses após uma decisão da 17ª Vara Federal Civil da Justiça no Distrito Federal contra outra norma do CFF sobre o mesmo tema.

A Justiça do DF declarou ilegal a resolução 586/2013 que permitia que farmacêuticos receitassem medicamentos e outros produtos que não exigiam prescrição médica. Cabe recurso da decisão.

A resolução é mais um capítulo na disputa por espaço no mercado de saúde no Brasil, como recentemente o g1 informou na questão dos procedimentos estéticos.

No país, quem regulamenta quem pode fazer o que na área estética são os conselhos federais de cada profissão. Também recentemente, entidades médicas acionaram a Justiça e conseguiram limitar a autonomia dos cirurgiões-dentistas no uso de anestésicos.

Resolução x lei da profissão do farmacêutico

A lei que regulamenta a profissão do farmacêutico não tem nenhuma referência direta à permissão para prescrever medicamentos. No caso da nova resolução, o CFF argumenta que ela foi emitida justamente para regulamentar dois pontos específicos da legislação de 2014 que aponta quais são as competências dos farmacêuticos.

A lei nº 13.021 de 8 de agosto de 2014 diz que esse profissional deve, entre outros pontos, “estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento do paciente, mediante elaboração, preenchimento e interpretação de fichas farmacoterapêuticas”.

Ao publicar a nova resolução, o CFF justifica no texto que buscava justamente “regulamentar o ato de estabelecer o perfil farmacoterapêutico”. Na visão do CFF, estabelecer o perfil farmacoterapêutico é todo o conjunto de ações que permitem ajudar o paciente com o tratamento, incluindo também a prescrição de medicamentos.

Reação das entidades médicas

O conselheiro do Conselho Federal de Medicina Francisco Eduardo Cardoso afirmou ao g1 que a resolução é “absolutamente ilegal“.

“Deveriam ter vergonha de publicar uma resolução como essa. Eles vão ter que responder na Justiça por editarem uma resolução ilegal e que coloca em risco a saúde da população”, diz Cardoso.

Na visão do representante dos médicos, o CFF não pode legislar sobre prescrição, diagnósticos e consulta médica.

“O farmacêutico não tem competência legal e técnica para isso. É um ato de prevaricação. Eles já tentaram isso no passado e a Justiça negou. E isso será levado novamente à Justiça. O argumento de que eles entendem de remédios é insuficiente. São competências complementares”, afirma Cardoso.

A Associação Paulista de Medicina (APM) fala em “silenciosa invasão de profissionais não habilitados no ato médico” e manifesta preocupação com medida do CFF.

Em nota, a APM afirma que a prescrição de medicamentos é fundamental para a segurança e eficácia dos tratamentos, pois envolve a orientação detalhada de um médico sobre quais medicamentos um paciente deve tomar, em que dose, com que frequência e por quanto tempo.

A APM destaca que o médico cursa a faculdade por seis anos e depois ainda faz de três a seis anos de residência para se formar e poder estabelecer o diagnóstico e a terapêutica com segurança.

G1