
Com o envelhecimento acelerado da população brasileira, a figura do cuidador de idoso vem se tornando cada vez mais essencial nas estruturas familiares. De acordo com projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de um terço da população brasileira será composta por idosos até 2070. Entre 2000 e 2023, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais quase dobrou, passando de 8,7% para 15,6%. Ao mesmo tempo, a taxa de fecundidade caiu de 2,32 para 1,57 filhos por mulher. Esse cenário vem fortalecendo o papel do cuidador de idoso em uma demanda crescente e, muitas vezes, complexa.
A rotina de quem atua nessa área envolve diversas atividades. Acompanhamento, administração de medicamentos, mobilização, atividades lúdicas, observação de sinais clínicos, escuta ativa e suporte emocional fazem parte do cotidiano desses profissionais. “Tem que gostar. É uma função que exige muito cuidado e carinho, especialmente por causa da idade”, avalia Sônia Maria, 51, que está atualmente no cuidado domiciliar à idosa Odey de Carvalho, 91. Sônia transita entre as funções de cabeleireira e técnica de enfermagem em formação, conciliando a rotina de trabalho com o atendimento à paciente.
Contratada pela filha da idosa, Katherine Carvalho, Sônia integra uma equipe de três cuidadoras que se revezam no acompanhamento da mãe. “Eu não me vejo sem cuidadora de mamãe, não me vejo”, afirma Katherine, que organiza as escalas e garante a rotina da mãe, que passou a precisar de apoio constante após uma cirurgia cerebral em 2018. “Ela passou quase uma semana sem andar, sem nada. Foi assim que começamos a ter cuidador”, conta a filha.
De acordo com Juliano Silveira, médico geriatra, o Brasil vive um envelhecimento acelerado e tardio em comparação a países europeus, o que exige novas estruturas de cuidado. “O que é que a gente vai ter? Pessoas que vão viver mais com menos familiares para cuidar dessas pessoas. Esse nicho de cuidar do idoso tem se expandido de diversas formas, desde cuidadores de idosos contratados, assistência na modalidade home care, até instituições de longa permanência”, considera.
A necessidade do cuidado com o avançar da idade surge, especialmente, pela falta de adoção de hábitos saudáveis ao longo dos anos anteriores. “Se a gente não tem medidas de bom cuidado durante a infância, a adolescência e a idade adulta, a gente vai desenvolver doença”, considera Juliano Silveira. Entre os principais riscos, estão o infarto, o Acidente Vascular Cerebral (AVC), artrose e, especialmente, impactos na memória, na cognição e na funcionalidade.
A atuação dos cuidadores, porém, vai além do suporte físico. A relação construída com o paciente e a adaptação às necessidades específicas fazem parte do trabalho. Sônia relata que seu dia começa cedo, às 7h30, com o banho de Odey. “Ela se alimenta sozinha, a gente só bota. Se tiver alguma coisa de cortar, a gente corta. Aí vem para a poltrona”, descreve. Durante o dia, há lanches, medições de sinais vitais, colírios, exercícios físicos e atividades como dominó e pintura. “É a melhor parte”, brinca Odey.
Segundo o Ministério da Saúde, o bom cuidador é aquele que observa e identifica o que a pessoa pode fazer por si, ajudando e não fazendo pelo outro. Isso estimula a pessoa cuidada a conquistar a autonomia com paciência e tempo, mesmo que seja em pequenas atividades do dia a dia, formando o elo entre a pessoa cuidada, a família e a equipe de saúde.
Essa relação construída entre cuidador e paciente também se reflete no bem-estar do idoso. Mesmo sem ter tido outra experiência com essa área, Sônia se apaixonou pela profissão. “Me identifiquei. Nos meus estágios [do curso de técnica de enfermagem], eu não me identifiquei para hospital, mas quando fui lá para o abrigo estagiar, eu já me identifiquei porque é uma coisa mais tranquila”, relata. Para ela, o principal é gostar do que faz. “A gente não tem que ver só o financeiro. Tem que gostar e tem que respeitar a idade”, afirma.
O trabalho bem executado reflete em toda a confiança de Katherine. “Todas que estão aqui são bem responsáveis e ainda todo domingo vamos ao shopping, ficamos mais de quatro horas por lá passeando”, relata. Assim como a mãe, que mantém uma ótima lucidez, a filha preserva estar ativa para ter um envelhecimento saudável, fazendo musculação diariamente e mantendo uma alimentação balanceada.
Mercado em qualificação
Esse mercado que vive em crescente não depende somente de autônomos, mas também conta com empresas especializadas. Fundada em 2010, a empresa de Mariana Sepúlveda, administradora, e Laise Vidal, enfermeira, é um dos exemplos de como o setor se consolidou. Juntas, elas lideram cerca de 100 colaboradores e atendem mais de 30 contratos mensais. “Hoje em dia cada vez mais as pessoas têm essa consciência de que precisa de um cuidado técnico nas residências, de um cuidado humanizado, personalizado de acordo com cada necessidade”, afirma Mariana.
Ao longo desses 15 anos, elas relatam a grande percepção de crescimento, que atribuem diretamente ao aumento da expectativa de vida e à maior conscientização sobre a importância do cuidado especializado, com crescimento de, pelo menos, 30% nos últimos cinco anos. Ao mesmo tempo que o número de contratos cresce, a profissionalização do cuidador é uma das prioridades da empresa. “Fazemos treinamentos, toda parte de seleção. Geralmente os profissionais que chegam para nós já têm experiências anteriores com idosos”, explica Laise.
O envelhecimento por si só pode não representar a necessidade de um cuidador, mas sim os sinais. De acordo com Juliano Silveira, o primeiro passo de prevenção é passar por um geriatra pela primeira vez entre os 50 a 60 anos para definir quais estratégias serão tomadas. Após isso, algumas ações devem ser observadas com maior cuidado, como a falta de vontade de sair de casa, a dificuldade de locomoção, de levantar e sentar, de se vestir ou até perda de peso sem motivo aparente.
A decisão pelo acompanhamento é tomada com base em critérios técnicos que regem a geriatria. “Idosos acamados, idosos que usam sondas, idosos que têm problemas graves, que precisam de ventilação mecânica, são idosos que geralmente são elegíveis para cuidado no domicílio. Para instituições de longa permanência, eles são indicados para idosos, muitas vezes, que têm vulnerabilidades sociais”, explica o médico.
Apesar de ser bem avaliado, ele relata perceber uma grande resistência pela última opção. “Levar para uma instituição de longa permanência tem um estigma como se tivesse abandonando seu familiar, mas não é. Muitas vezes é uma necessidade de entre prover um bom cuidado numa instituição e não ter como dar um bom cuidado em casa”, avalia. Esses espaços podem ser públicos, socioassistenciais ou até mesmo particulares, garantindo a autonomia, interação social e participação social, além do acompanhamento completo com cuidadores e demais profissionais de saúde em uma atuação interdisciplinar.