A depressão é uma doença que com o passar dos anos vem atingindo números cada dia maiores. Mas o que pouco se fala é sobre o quanto a doença vem atingindo a população idosa. Segundo o IBGE, entre 2013 e 2023 a incidência da doença aumentou 48% entre idosos de 75 anos ou mais. Após a campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio, e aliado ao Dia do Idoso, celebrado no dia 1º de outubro, torna-se necessário o alerta sobre como a doença impacta essa fração da população, e quais os sinais que as famílias devem buscar para saber quando procurar ajuda médica.
A depressão é comumente caracterizada pelos sintomas de apatia, isolamento e tristeza, mas em idosos o quadro pode ser apresentado de formas diferentes, sendo as principais alterações as mudanças no apetite e no sono, podendo se manifestar com aumento ou redução de ambos, é o que explica a geriatra Natália Guedes. “As mudanças do sono podem ser apresentadas tanto através de uma maior sonolência, como também na ausência, com episódios de insônia”, explica.
Por essas mudanças, outro fator importante que deve ser observado em idosos é a mudança no seu peso, uma vez que perda ou ganho repentino de peso também podem ser indicativos de alterações comportamentais em idosos. Natália também explica que outra alteração de comportamento pode ser o prurido, ou coceira, que, quando investigada enquanto fator clínico, e associada a outros comportamentos, percebe-se que seja um indicativo do quadro depressivo em idosos.
A crescente do número de casos de depressão em idosos aumenta a preocupação com a doença, levantando também os questionamentos acerca das causas do mesmo. A geriatra Natália explica que o quadro surge na terceira idade pelo momento de vida comum aos idosos, uma vez que, após a aposentadoria, a perda da rotina faz com que muitos idosos se vejam diante do sentimento de invalidez e impotência, sem a oportunidade de realizar atividades que antes lhes traziam sentimento de completude.
“Não podemos esquecer que é também na terceira idade que acontecem maiores perdas familiares, com a morte de parentes e amigos, reduzindo ainda mais o ciclo social do idoso. E muitas vezes também é um momento de uma redução da renda familiar, devido à aposentadoria e aumento de gastos médicos decorrentes da idade”, completa Natália.
Diante da maior longevidade populacional, a médica enfatiza a necessidade de existir um maior debate sobre o envelhecer, destacando as necessidades desta parcela da população, para que todos saibam como lidar com as questões que surgem com a idade. “É muito provável que muitos de nós cheguemos a essa faixa etária, então precisamos nos preparar para esse momento da vida”, reflete.
Natália também destaca que além da necessidade de maior preparo financeiro prévio para o período da vida, é importante também a preocupação com os fatores sociais e físicos que permeiam o dia a dia dos idosos, alertando para a necessidade de envolvimento social do idoso, a partir da participação em atividades e grupos para que exista o estímulo comunicativo, e destaca também a importância da atividade física para a manutenção da saúde mental, bem como também da saúde física, alertando que o cuidado com comorbidades como hipertensão e diabetes também são formas de evitar quadros de depressão.
“Manter-se sempre ativo faz com que nos tornemos funcionais por mais tempo, consequentemente tendo maior percepção de ser útil para os outros, e assim nós conseguimos reduzir a probabilidade de comprometimento do humor nas idades mais prolongadas”, explica a geriatra.
Depressão versus demência
A geriatra Natália Guedes também alerta para a relação entre a depressão e a demência, comum à terceira idade. Pela similaridade dos quadros, ambos podem ser confundidos, e muitas vezes o atraso do diagnóstico aumenta a probabilidade de uma piora nos quadros, que são caracterizados por mudanças de comportamento como apatia e desinteresse em atividades comuns ao cotidiano.
“O início do quadro da demência, que chamamos de pródromo, pode ser associada à depressão, e vice-versa, pois a depressão quando não tratada pode influenciar no desenvolvimento da demência de uma forma precoce também”, explica Natália.
Pela fácil associação dos quadros de depressão e demência, a geriatra enfatiza que as formas de prevenção de ambos os quadros também são as mesmas. Com destaque para a sociabilidade enquanto fator de prevenção dos quadros, a geriatra explica que o déficit auditivo é um problema que pode afetar a inclusão social do idoso, e que, quando permitido o tratamento, facilita a participação social do idoso nos ambientes sociais.
“Para a devida prevenção, de ambos os casos, é necessário que a população faça um acompanhamento corriqueiro junto à equipe médica, para que possa existir um rastreamento e diagnóstico, até mais precoce, dos quadros de depressão e demência”, destaca.
Tratamento no SUS é desafio
Vivenciando as lutas do sistema público de saúde, a geriatra Luciana Maranhão destaca que o ponto fundamental para a eficácia do tratamento da depressão em idosos é o preparo profissional para o atendimento dessa parcela da população, e explica que hoje em dia já ocorre a capacitação dos profissionais em atendimento primário, para que seja maior a probabilidade de diagnóstico do quadro da doença desde o atendimento básico. “Deve ser rotina do médico enxergar o idoso por completo, e não apenas diante da especialidade”, conta.
Por razão das dificuldades de atendimentos na rede pública, a médica explica que, no atendimento primário, os profissionais da rede pública seguem sendo capacitados para que seja iniciado o tratamento antes que seja encaminhado para o atendimento especializado, assim sendo possível reduzir o atraso no acompanhamento daquele paciente. Assim sendo, Luciana explica que assim o paciente só será encaminhado ao especialista, seja geriatra ou psiquiatra, quando o quadro não apresentar melhora no tratamento primário.
“É preciso ser analisado, desde o atendimento primário, todo o quadro do paciente. Pois, além da possibilidade de haver outra doença mascarando a depressão, ou até mesmo a depressão mascarando outra doença, há também a possibilidade do quadro depressivo estar sendo causado por algum medicamento que o paciente esteja fazendo uso. Por isso a necessidade do paciente ser enxergado como um todo, e não apenas diante da especialidade médica”, explica Luciana.
Entretanto, nem sempre há a possibilidade de ser realizado esse atendimento primário, uma vez que não é certeza o idoso ter suporte familiar e/ou condições física ou mental, para ser diretamente direcionado para o atendimento médico. Nessas situações, a geriatra Luciana destaca a importância dos agentes comunitários de saúde, que realizam visitas aos domicílios dos idosos, e têm conhecimento do comportamento de seus pacientes, o suficiente para notar possíveis mudanças.
Visando a maior visibilidade do idoso, a geriatra conta que nas Unidades Básicas de Saúde existe a avaliação multidimensional da pessoa idosa, que visa a avaliação clínica, psicológica e funcional. “É através dessa avaliação, realizada por qualquer agente de saúde, que nós temos como suspeitar de possíveis quadros de depressão naquele idoso. É por isso que é necessário o atendimento recorrente”, explica Luciana.
Aumento da taxa de suicídio entre idosos
A taxa de suicídio em idosos cresceu nos últimos anos, preocupando órgãos de saúde. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2010 e 2023 o número de idosos que tiraram a própria vida aumentou de 6,8 para 7,8 a cada 100 mil habitantes. O número preocupa especialistas, que explicam que o aumento pode se dar tanto à maior expectativa de vida, como ao maior número de idosos atingidos por diferentes problemas nos últimos anos.
“Temos um número maior de idosos na população e, sem um devido acompanhamento e tratamento e, principalmente, sem perspectiva de melhora do agravo que ele apresenta, o idoso opta por tirar a própria vida”, explica a geriatra Luciana, acrescentando também que, dos casos de suicídio, 75% dos pacientes visitaram o consultório médico no mês anterior, e não apresentavam os sinais que dão indícios de sentimentos suicídas.
Com relação ao aumento da taxa de suicídio, a geriatra Natália Guedes explica que se dá pela maior efetividade da realização do suicídio no idoso, do que em outras faixas etárias. Natália também associa o aumento do agravo em idosos ao maior isolamento dos tempos atuais, seja após a pandemia do Covid-19, ou até mesmo aos tempos de redes sociais e interações virtuais.“O maior conhecimento, e também a busca ativa, eleva o número de diagnósticos de depressão nos últimos anos”, explica Natália.