ESTUDO APONTA 119 MEDIDAS PARA MELHORAR O SISTEMA CARCERÁRIO DO RN

Superlotação, falta de execução de políticas públicas e efetivo aquém do ideal para operar as unidades no sistema penitenciário. Esses são alguns dos desafios que o Rio Grande do Norte precisará cumprir a curto, médio e longo prazo para se adequar a uma decisão judicial coletiva que todos os estados brasileiros precisarão cumprir até 2027. Com 300 metas, o Programa Pena Justa, anunciado no começo do ano pelo Governo Federal, tem como meta reduzir “o estado de coisas inconstitucional” do sistema penal brasileiro. Um estudo realizado pelo desembargador Walter Nunes, do Tribunal Regional Federal (TRF-5), apontou uma série de gargalos e déficits no sistema penal do Estado, elencando 119 recomendações e sugestões para melhoria do sistema penal.Play Video


As recomendações são das mais diversas, desde a capacitação de servidores, uso de câmeras corporais em policiais penais, implementação do sistema estadual de prevenção e combate à tortura, programas de trabalho e escolarização prisional, aumento de efetivo, campanhas junto a empresários para contratação de egressos, melhorias em processos licitatórios, entre outros. O estudo foi enviado ao Estado, que vai lançar nesta quinta-feira (07) um plano estadual para aplicar o Pena Justa. É possível que o estudo incorpore sugestões do desembargador.


“Não tem isso de cumprir ou não cumprir. É uma decisão do Supremo. Temos uma oportunidade ímpar para reverter esse quadro. Não vai se eliminar todas essas mazelas, mas é sair dessa situação de inconstitucionalidade”, explica Walter Nunes.


Para adotar essas medidas e efetivamente implementá-las no RN, o caminho exigirá uma série de ações, algumas não tão rápidas, como a abertura de vagas no sistema penal, aumento de efetivo da polícia penal e a criação de um sistema de regulação de vagas nas unidades prisionais (semelhante ao dos hospitais no SUS). Outra dessas medidas é o desencarceramento de presos, que poderão cumprir as penas com medidas alternativas, como tornozeleiras eletrônicas, por exemplo. O RN trabalha na elaboração do seu plano, que precisará passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal (STF).


O estudo conduzido por Walter Nunes envolveu o Departamento de Direito Processual e Propedêutica da UFRN e aponta ainda os gargalos históricos estruturais e de déficit de pessoal e assistência ao preso no RN, como falta de camas para presos, garantia da oferta de trabalho e educação para os apenados além da execução completa de recursos nos orçamentos previstos por ano. A TN noticiou, em maio, uma ação do Ministério Público que apontava contingenciamento de R$ 480 milhões no sistema penal potiguar nos últimos anos.


Entre as reflexões, Nunes aponta que a maior parte dos presos no RN, assim como no Brasil, estão presas por crimes sem violência ou grave ameaça do que por crimes violentos. No RN, o estudo utilizou dados de abril de 2024 que apontam que o RN tinha 7.069 pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais do Estado, sendo 513 delas presas em cárcere por crimes violentos.


O desencarceramento, uma das medidas previstas no Pena Justa, não será nem deve ser de maneira desenfreada, segundo Nunes. A medida visa um uso racional das vagas nas prisões brasileiras e deverá ser mediante uma avaliação sistêmica da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária e do Judiciário.


“Não é colocar as pessoas na rua. O desencarceramento é para quem não deveria ter entrado ou um dia fez jus a quem ingressasse mas hoje não justifica mais o cara ficar na prisão. Não vai se tirar porque tem que tirar. É tirar porque partiu disso: prende-se muito e prende-se mal. Não será algo irresponsável: ‘não há lugar para todos, então vamos tirar’. Não é isso. O problema é que várias das pessoas que lá estão não deveriam estar”, comenta. “Deve soltar quem deve ser solto. Isso é um trabalho que há de ser feito junto ao Judiciário, MP, advocacia, cada um com seu papel”, cita.


“A centralidade do plano é conseguir construir uma política penal que além de punir, garanta que você vai de fato levar as pessoas de volta ressocializadas e reduzir os índices de encarceramento, qualificando a prisão. É prender as pessoas considerando a necessidade delas permanecerem presas. Não adianta prender por prender. Se você faz isso, lota-se as cadeias e aumenta-se o número da criminalidade”, acrescenta a secretária adjunta de Administração Penitenciária (Seap), Armélie Marques Brennand. “O processo de desencarceramento só pode ser feito dentro da legalidade. Ele pode ir para rua? Atende os requisitos da Lei de Execuções Penais? Ter cumprido parte da pena, bom comportamento”, exemplifica.

Desembargador: Ampliação de efetivo é fundamental

Em relação à gestão dos recursos e a parte de assistência ao preso, o desembargador Walter Nunes comenta que a ampliação de efetivo da Polícia Penal é primordial para os avanços das políticas públicas. Além disso, profissionais como psicólogos, assistentes sociais, educadores, entre outros, também precisarão entrar no rol de funções a serem incorporadas nas unidades penais potiguares.


“Não temos capacidade de utilizar os recursos financeiros disponibilizados. A estrutura organizacional de servidores da Seap é diminuta. Não se tem um engenheiro. Como essa pessoa vai fazer um projeto para reforma de uma unidade?”, comenta Walter Nunes. “Nós trabalhamos a assistência social como se fosse uma atividade meio da execução penal, ora, é uma atividade fim. Se a finalidade da pena é recuperar, precisamos ter profissionais capacitados e adequados com especialização em lidar com pessoas recolhidas em unidades prisionais. Precisa-se de psicólogo, médico específico para os quadros da Seap. É assim que ocorre no presídio federal. Estamos sugerindo isso”, complementa Walter Nunes. “Nesse aspecto o RN é extremamente precário”, finaliza.