FALTA DE DINHEIRO EM ESPÉCIE DIFICULTA A VIDA DO COMÉRCIO VAREJISTA NO RN

A crescente digitalização dos meios de pagamento, especialmente com a popularização do Pix e dos cartões de crédito, está gerando desafios para o setor varejista. Um dos principais problemas enfrentados pelos comerciantes é a dificuldade em oferecer troco aos consumidores que optam pelo pagamento em espécie. De acordo com dados da Fecomércio RN, o Rio Grande do Norte teve um crescimento de 121% nas transações via Pix apenas no mês de agosto, o maior aumento do país, movimentando um total de R$ 14,6 bilhões.

O aumento das transações via Pix tem contribuído para modificar a rotina do comércio no estado. Dados levantados pela Fecomércio RN apontam que entre janeiro e agosto deste ano o estado movimentou mais de R$ 78 bilhões por meio do Pix, um aumento de 60% em comparação com o mesmo período do ano anterior.

“Essa expansão indica que a digitalização dos pagamentos está se consolidando em diferentes regiões, inclusive no interior, impactando de forma crescente a necessidade de dinheiro em espécie para troco”, analisou a Fecomércio.

A operadora de caixa de uma loja no bairro do Alecrim, Gleissiana Santos, conta que sente dificuldade em passar o troco para os clientes: “Como não está havendo mais tantos pagamentos em espécie, a gente fica com uma dificuldade em questão de troco”, disse. Mesmo assim, a vendedora revela que prefere o pagamento via Pix ou em dinheiro, em vez de cartões de crédito, por conta das taxas cobradas na maquineta: “A gente prefere no Pix ou em espécie. É melhor pra a gente. Mas dificilmente o cliente paga no dinheiro. Muito difícil”, conta Gleissiana.

A vendedora ambulante Maria José das Graças, que comercializa variedades pelos centros de Natal, relata que enfrenta dificuldades para dar troco, por isso costuma sugerir aos clientes o pagamento via Pix: “Eu pergunto: pode ser Pix? Se não puder, eu pego o dinheiro”, comenta Maria, que evita andar com cédulas no bolso por medo de ser assaltada. “Outra coisa é que não acho higiênico. Pix é limpo”, defende.

Grande parte dos consumidores também tem optado pelo Pix. É o caso da técnica de enfermagem Cleonice Marques: “Às vezes o Pix é melhor, porque se você não tá com o dinheiro em espécie em mãos, é mais fácil pra mim. Às vezes o ruim é que a internet não colabora, mas, não dependendo disso, para mim é melhor”, disse.

Ela também destaca a segurança do método: “A gente é muito visualizado aqui. Então, no Pix, só a gente está vendo quanto é que tem, quanto é que vai pagar”, completou Cleonice.

A professora Paula Martins também evita realizar pagamentos com dinheiro em espécie. Ela prefere a praticidade do Pix: “Eu costumo pagar mais no Pix, porque hoje em dia sacar dinheiro em espécie é muito complicado. É melhor no Pix”, disse.

A opinião também é compartilhada pela pedagoga Elissa Ramalho: “É mais prático. Não tem essa questão de você ter que ir no banco, no caixa eletrônico, de você ter que sacar. Você, com o celular mesmo, faz o pagamento. É mais prático, mais rápido”, argumentou.

De acordo com dados do Banco Central (BC), em 2024, o Pix foi o meio de pagamento que registrou o maior crescimento no número de transações no Brasil, com uma alta de 52%. Em relação ao segundo trimestre de 2025, o levantamento apontou o Pix com 50% da quantidade total de transações no país e 37% do volume financeiro.

Gleissiana Santos diz que dificilmente clientes pagam em dinheiro | Foto: Magnus Nascimento

Na falta de cédulas, lojistas adotam estratégias

Com o avanço da tecnologia, a demanda por dinheiro em espécie vem diminuindo rapidamente. Em um cenário onde a maioria dos consumidores opta por pagar via Pix ou cartão de crédito, a necessidade de manter grandes quantias de dinheiro para troco se torna cada vez mais rara. No entanto, nem todos os comerciantes enfrentam dificuldades com essa mudança. João Augusto, gerente de uma loja no Alecrim, consegue gerenciar o troco de forma prática para atender também os clientes quando optam pelo pagamento em espécie.

“A gente até prefere em espécie, que é um negócio que você recebe e não volta. Porque o Pix vai para o banco, você tem que sacar. Mas a maioria dos clientes pagam no Pix e quando chega para pagar no dinheiro, a gente tem troco”, conta o gerente. A estratégia adotada por João é trocar as notas com valores mais altos por outras menores com um colega que trabalha em um estacionamento. Isso garante o troco para clientes que pagam em espécie no estabelecimento.

Essa dinâmica, no entanto, não é comum a todos os comerciantes. O crescimento das transações digitais tem afetado o varejo, exigindo adaptação para garantir que todos os clientes consigam fazer o pagamento. Para enfrentar essa nova realidade, a Fecomércio RN recomenda os lojistas a incentivarem os consumidores a utilizar meios de pagamento digitais, como o Pix e cartões de crédito, que oferecem vantagens como recebimento imediato e reduzem a necessidade de cédulas.

O equilíbrio entre o uso de meios eletrônicos e a manutenção de um estoque adequado de cédulas ajuda a otimizar a operação, sem comprometer a experiência do cliente. “É estratégico organizar o caixa para manter sempre um pequeno estoque de notas e moedas, priorizando o troco para pagamentos em dinheiro, sem comprometer a operação. A adaptação às transações digitais contribui para maior eficiência e segurança no comércio”, recomenda a instituição.

O presidente da CDL Natal, José Lucena, aconselha aos lojistas adotarem medidas práticas para lidar com a redução do uso de dinheiro físico no dia a dia do comércio. “Tem que se preparar, porque é uma realidade, um novo fluxo de caixa. Dentro do movimento do meu comércio eu preciso saber o volume de dinheiro em papel que entra em casa e a necessidade de troco. Com isso, eu me programo com o banco e abasteço meu caixa de dinheiro para dar troco quando necessário”, disse Lucena.

Ele reforça que o ideal é que os comerciantes façam a troca de dinheiro com antecedência no banco, como parte de um planejamento financeiro alinhado com as novas dinâmicas de pagamento.

  • Cenário é positivo para o varejo

O uso crescente do Pix tem se mostrado uma estratégia eficaz para melhorar a liquidez imediata do comércio, permitindo que os lojistas recebam os pagamentos de forma rápida e sem complicação. “O cenário é majoritariamente positivo para o varejo. O uso ampliado de pagamentos digitais garante liquidez imediata, diminui custos com gestão de numerário e aumenta a segurança para comerciantes e consumidores”, disse a Fecomércio.

Além disso, a digitalização dos pagamentos tem gerado benefícios para o comportamento financeiro da população. De acordo com a Fecomércio RN, o índice de endividados em Natal caiu 2 pontos percentuais, enquanto o número de inadimplentes recuou em 10 pontos percentuais. “A tendência é de crescimento contínuo, especialmente com a chegada de novas modalidades, como o Pix Parcelado, que facilita o consumo e melhora o fluxo de caixa para os comerciantes”, pontuou a federação.

O Pix Parcelado promete continuar impactando o comércio varejista, uma vez que essa modalidade de pagamento permite que os consumidores realizem compras de maior valor e paguem em parcelas, o que aumenta o poder de consumo da população e melhora o fluxo de caixa para os comerciantes.

Essa evolução no comportamento do consumidor e nas formas de pagamento indica que o futuro do varejo no estado, e em outras partes do Brasil, estará cada vez mais voltado para a digitalização. À medida que novas tecnologias de pagamento se tornam disponíveis, os comerciantes precisarão se adaptar constantemente para manter a competitividade e atender às novas expectativas dos consumidores.

O presidente da CDL Natal destaca os benefícios da digitalização dos pagamentos para o varejo, como o aumento da segurança, a redução de custos com transporte e armazenamento de dinheiro, além do incentivo à formalização das vendas. “Tem também o lado desafiador: dificuldade para troco, barreira para consumidores que ainda fazem uso do dinheiro físico, principalmente em cidades menores. Mas para esse ponto tem solução, planejamento”, defendeu José Lucena.

Ele ainda exemplifica como a transformação digital no comércio já é realidade em outras partes do mundo: “Na China, por exemplo, as pessoas fazem compras por meio de um app. Em São Paulo tem lugar que já não recebe pagamento em dinheiro de papel. O dinheiro do futuro é o de plástico, e nós temos que nos preparar para esse novo momento”, declara o presidente da CDL Natal.