
Em um estado onde os gargalos logísticos — como estradas precárias e limitações no transporte marítimo — ainda desafiam a indústria tradicional, um novo vetor de crescimento vem ganhando força: os negócios digitais. Com estrutura enxuta e alto potencial de escalabilidade, as startups de tecnologia têm encontrado no ecossistema de inovação potiguar um ambiente propício para se desenvolver. De acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Brasil registrou um crescimento de 59% no número de startups em 2024 durante um ano, totalizando 18.056. Somente no Rio Grande do Norte, são 558 negócios, enquanto Natal ocupa o top 10 entre cidades com maior volume de startups – são 361 na capital potiguar.
As startups são ideias ou empresas que surgem com um viés de tecnologia e inovação e que desejam desenvolver e aprimorar um modelo de negócio. Segundo David Góis, gerente de Negócios, Inovação e Tecnologia do Sebrae-RN, cerca de 98% das startups potiguares são caracterizadas como negócios digitais. “Empresas digitais não necessariamente não têm espaço físico. Elas podem ter escritório, sala, departamento, estrutura, mas o modelo de negócio é digital. Ela ganha dinheiro com uma plataforma, por exemplo”, explica.
Tais empresas com base tecnológica encontram respaldo e possibilidade de crescimento em iniciativas como o programa Startup Nordeste, promovido pelo Sebrae e parceiros como a Fundação de Amparo e Promoção da Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte (FAPERN). Em 2023, a ação contemplou 318 empreendimentos e 512 proprietários de negócios inovadores com a Bolsa Sócio Empreendedor, além de mentorias aceleradoras.
Uma das contempladas foi a RunMaps, idealizada por Michelinne Miranda, 53, que deixou uma carreira de quase duas décadas como representante comercial para apostar no desenvolvimento de um aplicativo voltado a corredores de rua, atividade pela qual ela é apaixonada desde 2017. “Eu digo que a corrida me salvou, mas ainda sentia dores como a insegurança e a falta de informação sobre os percursos. Foi aí que pensei: por que não mapear corridas no Brasil e no mundo?”, conta.
A RunMaps, diferente de outros aplicativos do mercado de corrida, tem como objetivo se preocupar com o pré, durante e pós-corrida. Para os praticantes que desejam explorar novos locais e maratonas nunca vivenciadas, a plataforma fornece informações sobre o terreno, segurança e performance, além de dicas sobre melhores áreas para aceleração e desaceleração.
Participante de programas como o Startup Nordeste, Michelinne viu sua ideia, embrionária desde 2023, ser moldada com apoio direto do Sebrae, através de mentorias e conexões com desenvolvedores. Como resultado desse suporte, entre os dias 14 e 15 de maio ela representou o Rio Grande do Norte no evento Encontro Inovação & Impacto, na sede do Sebrae Nacional, em Brasília.
“O Sebrae me ajudou a pensar como escalar, como estruturar. Hoje eu tenho o sonho de ser uma curadora de corridas de rua, oferecendo um aplicativo onde o corredor pode prever o percurso”, explica. A empreendedora projeta alcançar 3,5 mil assinaturas no primeiro ano de operação da RunMaps, com preço de R$ 24,90 mensais. “Espero alcançar R$1 milhão e eu não tenho dúvidas de que vou conseguir”, afirma.
Para além da capital, o movimento das startups já se interioriza. David Góis ressalta que o crescimento dessas empresas em cidades menores é uma estratégia para descentralizar a inovação. “Às vezes um negócio inovador num pequeno município tem um impacto muito grande. Uma empresa de tecnologia normalmente paga mais [para o colaborador] que uma tradicional. E ela não precisa de logística, de aeroporto. Basta inteligência e internet”, observa.
O apoio institucional, tanto na capital quanto no interior, se dá de diversas formas. O Sebrae mantém articulaç ão com incubadoras, universidades, parques tecnológicos e ecossistemas regionais, como os nove já formados no RN e mais um voltado ao agronegócio. Segundo David, esses espaços permitem que ideias inovadoras sejam lapidadas e conectadas com potenciais parceiros e investidores. “Trabalhamos com eventos, editais, atendimento digital, tudo para que a ideia saia da cabeça e vá para o mercado”, afirma.
David constata ainda que a faixa etária dos empreendedores também mudou. Se antes as startups eram dominadas por jovens recém-formados e pesquisadores, hoje o perfil é mais diverso, e a RunMaps reflete essa transformação. Michelinne, que é mãe solo, planeja um período sabático de dois anos para mapear percursos. Ela quer percorrer o mundo com uma mochila de 23 kg nas costas. “Com 53 anos, eu sou de uma geração que não nasceu com essa tecnologia. Mas o Sebrae abriu essa porta para mim. Me ajudou a entender, a sonhar, a transformar esse sonho em algo viável”, relata, emocionada.
Inovação que movimenta a economia
Além do impacto direto no consumidor final, os negócios digitais também podem ser desenvolvidos com foco na aplicação em outras empresas. Um exemplo disso é a Capta.Ai, plataforma criada por Gileno Negreiros, 42, publicitário com mestrado em Gestão da Inovação. Ele começou digitalizando os processos da sua consultoria e desenvolveu uma ferramenta de inteligência artificial. Com pouco mais de um ano de fundação, ele já elaborou mais de 200 projetos de inovação inscritos em editais para captação de recursos.
A Capta.Ai cobra, em média, R$ 397 por um serviço que antes custava até R$ 20 mil. Um dos projetos aprovados captou R$ 700 mil, mesmo ainda sendo uma versão simplificada. “A gente criou uma jornada onde o cliente passa por seis eixos. Com base nas respostas, a IA monta um projeto competitivo para editais. Nossa empresa, como um todo, já captou R$ 65 milhões em recursos não reembolsáveis para inovação”, afirma. Por ter um baixo custo, o serviço é destinado, principalmente, para aquelas empresas que possuem baixo orçamento para aplicação.
Dentro da elaboração e execução da startup, Gileno destaca o papel do Sebrae como agente facilitador nesse processo. “Sem o Sebrae, eu não teria conseguido. Eles subsidiam consultorias, abrem portas para eventos, me levaram ao Web Summit. O Sebrae nos coloca na rota do mercado”, avalia.
A Capta.Ai passa hoje por um processo de expansão nacional, com projetos aprovados em seis estados, incluindo o RN. A projeção da empresa é ambiciosa: incorporar a funcionalidade de varredura de editais, permitindo que empresas descubram automaticamente quais chamamentos públicos são mais adequados ao seu estágio de maturidade e ao projeto desenvolvido.
“Queremos democratizar o acesso a recursos de fomento. Hoje, muitas startups não conseguem elaborar bons projetos por falta de estrutura. Com a Capta.Ai, isso muda”, diz Gileno. Esse novo aprimoramento na plataforma está previsto para ser lançado até o começo do segundo semestre deste ano.
Para David Góis, os segmentos mais promissores para startups potiguares são saúde, educação, tecnologia da informação e Govtechs, estas duas últimas voltadas para soluções ao setor público. “Estamos trabalhando com as prefeituras de Natal, Mossoró e Currais Novos para ensinar como contratar inovação. É uma contratação simplificada, que permite testar soluções”, explica. A proposta é estimular que prefeituras identifiquem problemas e divulguem essas demandas ao mercado, criando oportunidades para novas startups.
Segundo dados do Sebrae, até o final de 2024, quase 30% das startups brasileiras tinham mais de cinco anos de fundação. As demais se distribuíam da seguinte forma: 9,36% tinham menos de um ano, 14,88% tinham um ano, 15,14% dois anos, 12,61% três anos, 10,56% quatro anos e 7,78% cinco anos. Os números indicam uma consolidação a longo prazo, contrapondo com as taxas de mortalidade das empresas em geral.
Para o gerente de Negócios, Inovação e Tecnologia do Sebrae-RN, o ecossistema potiguar oferece ambiente propício para tentativa, erro e aprimoramento. “A ideia é que elas sejam resilientes. Vão, voltam, ajustam e encontram o cliente ideal. É um grande potencial para a economia do estado, que precisa vender para fora, pois o mercado local é limitado”, aponta David Góis. Ainda segundo ele, investir em negócios digitais é uma forma de contornar obstáculos logísticos.
Além de articular atores locais, como universidades, poder público e setor produtivo, o Sebrae também oferece atendimento digital, capacitações e apoio financeiro. “O importante é estar conectado ao mercado. Buscar informação, participar de eventos, fazer networking. Isso é essencial para qualquer tipo de empresário”, afirma David.
Ele destaca o Go!RN como um dos principais eventos de conexão entre os mundos digital e tradicional, além das diversas faixas etárias. Na edição de 2024, foram mais de 17 mil inscritos.
A transformação digital, como destaca Michelinne, fundadora da RunMaps, é irreversível. “Acho que é um caminho sem volta. Toda profissão precisa se adequar. O Sebrae abriu essa porta para mim e pode abrir para tantos outros. Eu acredito que, quando a gente se dispõe, todas as portas se abrem”, declara.
Em toda a região Nordeste, que concentra 23,53% das startups do Brasil, o Rio Grande do Norte ocupa o 3º lugar em volume, atrás somente de Pernambuco (690) e Ceará (638). Em um cálculo de média ponderada entre a quantidade de startups e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), os potiguares ocupam o 11º lugar, com 765 pontos.
Top 10 cidades com maior volume de startups
- São Paulo 1.911
- Florianópolis 780
- Rio de Janeiro 581
- Brasília 448
- Recife 438
- Curitiba 415
- Fortaleza 406
- Belo Horizonte 399
- Teresina 369
- Natal 361
Fonte: Sebrae Startups Report Brasil 2024