O Nordeste é a região do Brasil com maior número de assassinatos de pessoas transexuais e travestis, com 40,5% dos casos computados em 2022. Entre os estados, Pernambuco soma o maior número de mortes, com 13, seguido do Ceará, que contabilizou 11. Na escala nacional, o Brasil foi, pelo 14° ano consecutivo, o país com maior número total de homicídios dessas populações. Apenas em 2022, 131 pessoas trans e travestis foram mortas no território nacional. No comparado a 2021, quando foram 140 homicídios, a taxa é 6% menor. Os dados são do relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e foram divulgados na última quinta-feira (26), quando o dossiê foi entregue ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Segundo o levantamento, além dos estados nordestinos, São Paulo, que historicamente reúne o maior número de vítimas, ficou em segundo lugar entre os que mais matam pessoas transsexuais e travestis, com 11.
Conforme revelam os dados, a maioria das vítimas tinha entre 18 e 29 anos, próximo à expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil, 35 anos. O dossiê também ressalta que a maioria dos crimes ocorreu durante à noite contra pessoas que vivem na prioostituição, meio pelo qual muitas encontram uma forma de sobreviver.
Por trás das estatísticas, vidas revelam a violência que permanece suprimindo o direito de existir dessas comunidades. É o caso da história de Isabella Yanka, de 20 anos, assassinada a facadas em Ceilândia, no Distrito Federal, após sair de uma festa embriagada e vulnerável. Após quatro dias, a Polícia Civil prendeu um homem de 27 anos, que logo se declarou culpado. A identidade do assassino foi protegida pelos investigadores.
Para traçar o mapa da violência, a pesquisa da Antra levou em conta fontes primárias de informação, como entidades responsáveis pela segurança pública, Poder Judiciário e imprensa. Também foram usadas fontes secundárias, como redes sociais, relatos testemunhais e instituições de direitos humanos. Após o Brasil, mexicanos e norte-americanos são responsáveis pela maior quantidade de assassinatos de travestis e trans.
Iniciativas da União
No início deste mês, o governo Lula (PT) criou uma secretaria especial LGBTQIA+ que, Junto ao Ministério da Justiça, busca articular projetos para proteção da população trans. A responsável pela pasta é uma travesti, Symmy Larrat, ex-presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABLGT). O trabalho também conta com a participação da Antra e das deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), primeiras parlamentares transgênero da história do Congresso Nacional.
Em entrevista à Folha de Caçoa Paulo, Larrat destacou que a realidade das pessoas trans no Brasil é preocupante e que não há como lidar com o problema apenas por meio dos movimentos sociais. “Nos últimos anos, houve conquistas importantes, via Judiciário, que garantem maior segurança e direitos a esta população, mas o governo anterior não promoveu as ferramentas necessárias para sua execução”, declarou a titular da pasta.
De acordo com ela, na luta contra a violências que atingem as pessoas trans e travestis, o maior desafio emergencial é promover pontes na política pública para que as normativas legais, que assegurem o acolhimento e justiça em caso de transfobia, sejam criadas e implementadas, ampliando a produção de dados e, sobretudo, a proteção das pessoas.
O modelo de inclusão da população utilizado pela cidade de São Paulo é um dos que agradam membros da articulação trans em Brasília. A cidade possui um programa, ligado à secretaria de assistência social, chamado Transcidadania, que promove a reintegração social para travestis, mulheres e homens trans em situação de vulnerabilidade.
Incentivo ao retorno às escolas
A psicóloga Fe Maidel, mulher trans e assessora de coordenação de políticas para a população LGBTI+ de São Paulo, defende a humanização no tratamento para com as pessoas trans. “Somos uma minoria em vulnerabilidade com necessidades extremas e diversas. Há uma tendência de jogar nossas mortes para baixo do tapete. De muitas formas, tentam nos invisibilizar. Não há nem dados nacionais confiáveis sobre essa população”, afirma.
Maidel também culpa o governo anterior pelo aumento do ódio contra as minorias e defende que, uma vez com acesso à escola, condições mínimas de vida e dignidade, o futuro das comunidades trans e travestis poderá ser mais positivo.