Rebeldes sírios anunciaram, em uma declaração televisionada no início deste domingo (8), que derrubaram o regime de 24 anos do presidente Bashar al-Assad, acrescentando que todos os prisioneiros foram libertados após uma ofensiva relâmpago que surpreendeu o mundo e e traz temores de uma nova onda de instabilidade em um Oriente Médio assolado pela guerra.
O comando do Exército da Síria notificou os oficiais que o regime de Assad havia terminado, disse um oficial sírio que foi informado sobre a medida à Reuters. Posteriormente, o Exército disse que continuam as operações contra “grupos terroristas” nas cidades de Hama e Homs e na zona rural de Deraa.
Assad, que havia reprimido todas as formas de dissidência e encarcerado milhares de pessoas, deixou Damasco com destino desconhecido no início do domingo, disseram dois oficiais superiores do Exército à Reuters. Ele teria embarcado em um avião com destino desconhecido.
“Celebramos com o povo sírio a notícia da libertação de nossos prisioneiros, rompendo suas correntes e anunciando o fim da era de injustiça na prisão de Sednaya”, disseram os rebeldes.
Milhares de pessoas em carros e a pé se reuniram em uma praça principal em Damasco, acenando e cantando “Liberdade” após meio século de governo da família Assad, disseram testemunhas.
Sednaya é uma grande prisão militar nos arredores de Damasco, onde o governo sírio deteve milhares de pessoas.
Poucas horas antes, os rebeldes anunciaram ter conquistado o controle total da cidade-chave de Homs após apenas um dia de combates, deixando o governo de 24 anos de Assad por um fio.
Sons intensos de tiros foram ouvidos no centro de Damasco, disseram dois residentes no domingo, embora não estivesse imediatamente claro qual era a origem dos disparos.
Em áreas rurais a sudoeste da capital, jovens locais e ex-rebeldes aproveitaram a perda de autoridade para ir às ruas em atos de desafio contra o regime autoritário da família Assad.
Milhares de residentes de Homs tomaram as ruas após a retirada do exército da cidade central, dançando e cantando “Assad se foi, Homs está livre” e “Viva a Síria e abaixo Bashar al-Assad”.
Rebeldes dispararam para o ar em celebração, e jovens rasgaram cartazes do presidente sírio, cujo controle territorial colapsou em uma vertiginosa retirada de uma semana pelo Exército.
A queda de Homs dá aos insurgentes o controle sobre o coração estratégico da Síria e um importante cruzamento de rodovias, separando Damasco da região costeira, reduto da seita alauíta de Assad e onde seus aliados russos têm uma base naval e aérea.
A captura de Homs é também um poderoso símbolo do dramático retorno do movimento rebelde no conflito de 13 anos. Grandes áreas de Homs foram destruídas por um cerco exaustivo entre os rebeldes e o Exército anos atrás. A luta desgastou os insurgentes, que foram forçados a sair.
O comandante do Hayat Tahrir al-Sham, Abu Mohammed al-Golani, principal líder rebelde, chamou a captura de Homs de um momento histórico e pediu aos combatentes que não prejudiquem “aqueles que depuserem suas armas”.
Rebeldes libertaram milhares de detidos da prisão da cidade. As forças de segurança partiram às pressas após queimarem seus documentos.
Residentes de vários distritos de Damasco saíram para protestar contra Assad na noite de sábado, e as forças de segurança estavam ou relutantes ou incapazes de reprimir.
O comandante rebelde sírio Hassan Abdul Ghani declarou no início deste domingo (8) que as operações estão em andamento para “libertar completamente” a zona rural ao redor de Damasco e que as forças rebeldes estão de olho na capital.
Em um subúrbio, uma estátua do pai de Assad, o falecido presidente Hafez al-Assad, foi derrubada e destruída.
O Exército sírio afirmou que reforça suas posições ao redor de Damasco, e a TV estatal informou que Assad permanecia na cidade.
Fora da cidade, os rebeldes varreram todo o sudoeste em 24 horas e estabeleceram controle.
A queda de Homs e a ameaça à capital representam um perigo imediato para o reinado de cinco décadas da dinastia Assad sobre a Síria e a influência contínua de seu principal apoiador regional, o Irã.
O ritmo dos eventos surpreendeu as capitais árabes e levantou temores de uma nova onda de instabilidade regional.
Catar, Arábia Saudita, Jordânia, Egito, Iraque, Irã, Turquia e Rússia emitiram uma declaração conjunta dizendo que a crise era um desenvolvimento perigoso e pedindo uma solução política.
Mas não houve indicação de que concordaram em quaisquer passos concretos, com a situação dentro da Síria mudando a cada hora.
A guerra civil na Síria, que eclodiu em 2011 como um levante contra o governo de Assad, atraiu grandes potências externas, criou espaço para militantes jihadistas planejarem ataques ao redor do mundo e enviou milhões de refugiados para estados vizinhos.
Hayat Tahrir al-Sham, o grupo rebelde mais forte, é o antigo afiliado da al Qaeda na Síria, considerado pelos EUA e outros como uma organização terrorista, e muitos sírios permanecem temerosos de que imponha um regime islâmico draconiano.
Golani tentou tranquilizar as minorias de que não interferirá com elas e a comunidade internacional de que se opõe a ataques islâmicos no exterior. Em Aleppo, que os rebeldes capturaram há uma semana, não houve relatos de represálias.
Quando questionado no sábado se acreditava em Golani, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, respondeu: “A prova do pudim está em comê-lo”.
O grupo Hezbollah, apoiado pelo Irã no Líbano, retirou-se da cidade síria de Qusayr, na fronteira com o Líbano, antes que as forças rebeldes a tomassem, disseram fontes do Exército sírio no domingo.
Pelo menos 150 veículos blindados transportando centenas de combatentes do Hezbollah deixaram a cidade, há muito um ponto na rota para transferências de armas e combatentes entrando e saindo da Síria, disseram as fontes. Israel atingiu um dos comboios enquanto partia, disse uma fonte.
Assad há muito tempo depende de aliados para subjugar os rebeldes. Aviões de guerra russos realizaram bombardeios enquanto o Irã enviou forças aliadas, incluindo o Hezbollah e milícias iraquianas, para reforçar o Exército sírio e atacar redutos insurgentes.
Mas a Rússia tem se concentrado na guerra na Ucrânia desde 2022 e o Hezbollah sofreu grandes perdas em sua própria guerra desgastante com Israel, limitando significativamente sua capacidade ou a do Irã de fortalecer Assad.
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, disse que os EUA não deveriam se envolver no conflito e deveriam “deixar que ele se desenrole”.
Folha de São Paulo