RN GANHA MAIS DOADORES DE MEDULA, MAS MOBILIZAÇÃO AINDA É NECESSÁRIA

Foto: Alex Régis

O transplante de medula óssea é um ato de solidariedade capaz de transformar vidas de pessoas acometidas por cerca de 80 doenças, como leucemias, linfomas e síndromes de imunodeficiência. Dados do Ministério da Saúde revelam crescimento expressivo no número de doadores registrados, tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Norte. No estado, o número de cadastros passou de 572 em 2023 para 1.074 até o primeiro semestre de 2024, segundo o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (REDOME), o que representa um aumento de aproximadamente 88%. No cenário nacional, o Brasil já ultrapassa os 5,5 milhões de doadores registrados.

Apesar do avanço, a falta de informação e a persistência de mitos sobre o processo de doação, especialmente entre os mais jovens, ainda são desafios. “É preciso mais consciência por parte dos jovens. Quando a idade mínima para doação foi reduzida, começamos a ter cadastros de pessoas com mais de 40 e 50 anos, que geralmente já têm mais maturidade. Hoje, muitos demoram a amadurecer, a entender que um dia pode acontecer na própria família”, alerta Roseli Cortez, presidente da Associação de Humanização e Apoio ao Transplantado de Medula do Rio Grande do Norte (HATMO-RN). A entidade sem fins lucrativos atua, desde 2008, no suporte a pacientes e na promoção da doação de medula.

Roseli relembra que pessoas que fazem tatuagens e procedimentos estéticos, não podem doar sangue e nem medula por um período, que costuma ser de até um ano após o procedimento. “Os jovens estão preocupados com beleza e estética e esquecem do próximo. Quando atingem a maturidade, já passaram da idade para doar. Por isso, precisamos fazer um trabalho de conscientização desde cedo, nas escolas, com as famílias”, afirma.

Ela destaca que o RN avançou nos últimos anos, dispondo atualmente de mais centros especializados em transplantes, como no Hospital Rio Grande e na Liga Contra o Câncer. “Temos condições de fazer um trabalho maravilhoso nessa parte de conscientização. O paciente não precisa mais sair do estado para transplantar. A maioria realiza aqui mesmo, em Natal”, pontuou.

Segundo diz, há um aumento no número de operações devido o transplante haploidêntico, no qual o doador não precisa ser 100% compatível. “Mas há famílias que não atingem nem o grau de compatibilidade exigido. Em muitos casos, os irmãos são poucos ou inexistentes, os pais têm diabetes ou outras comorbidades e não podem doar. Por isso, é fundamental manter a divulgação da importância de doar medula”, acrescentou Cortez.

A medula óssea, conhecida popularmente como “fábrica do sangue”, é um tecido hematopoiético responsável pela produção das células sanguíneas (hemácias, leucócitos e plaquetas). O processo de doação começa com uma triagem para avaliação da compatibilidade entre doador e receptor. Após essa etapa e o estímulo à produção das células-tronco hematopoiéticas, a coleta pode ser feita por aférese (via acesso venoso) ou por punção e aspiração na crista ilíaca (bacia).

Segundo a hematologista Ana Emília Freitas, do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL-UFRN-Ebserh), alterações no hemograma, como pancitopenia (redução de hemácias, leucócitos e plaquetas), fadiga intensa associada à febre, manchas no corpo ou sangramentos, são sinais de alerta que podem indicar problemas na medula óssea e devem ser investigados.

Para se tornar doador, basta procurar o hemocentro da cidade ou estado. No RN, o cadastro é feito no Hemonorte, e o doador é inserido no REDOME.

Após o cadastro, o doador é convocado para entrevista e realização de exames mais detalhados, dando início ao processo de doação. “Inicialmente, realiza-se a estimulação da medula óssea para aumentar a produção de células-tronco. Depois, a coleta é feita via aférese, ou por punção na crista ilíaca. A recuperação, em geral, é rápida e sem riscos à saúde do doador”, esclarece Ana.

Ela destaca que o Brasil possui o terceiro maior registro de doadores de medula óssea do mundo, mas encontrar um doador compatível ainda é um grande desafio, sobretudo diante do crescente número de pacientes necessitando de transplante, demanda que o ritmo atual de cadastros não acompanha. Por isso, a especialista reforça a importância da conscientização e do engajamento da população.

Bernardo mobiliza redes por um transplante

Bernardo, de 14 anos, foi diagnosticado com leucemia em 2023. Após um período de estabilidade, a doença se agravou em 2025, tornando necessário o transplante de medula óssea. A busca por um doador compatível mobilizou milhares de pessoas após a divulgação de sua história nas redes sociais. “Muitas pessoas abraçaram a nossa causa, não só familiares e amigos, mas também desconhecidos que se sensibilizaram com a situação de um menino tão jovem”, relata Monalisa Oliveira, mãe de Bernardo.

Monalisa ressalta que a doação é um ato simples, mas que pode salvar vidas como a do filho. Ela destaca que, quanto mais pessoas cadastradas no REDOME, maiores são as chances de encontrar um doador compatível. “A compatibilidade é, em média, uma em 100 mil. Quanto mais pessoas cadastradas, maiores são as chances para quem está na fila de espera. Queremos deixar essa mensagem: com um simples gesto, é possível salvar vidas”, afirma.

Ao receber o diagnóstico, Bernardo inicialmente não compreendeu a gravidade da situação, mas com o apoio dos pais, Leonardo e Monalisa, passou a entender melhor o que viria pela frente. Mesmo diante das incertezas, ele mantém o otimismo e incentiva outras pessoas a se tornarem doadoras. “Fico feliz em saber que tem gente torcendo por mim, indo se cadastrar. É bom receber esse apoio e saber que isso é muito importante. A doação de medula óssea pode salvar uma vida. Pense que um familiar seu poderia estar nesse lugar”, enfatizou.

“Sou prova de que a doação funciona”

“É um gesto simples, mas com um impacto enorme”, diz Rogéria da Silva, moradora de São Bento do Trairi, no interior do Rio Grande do Norte. Diagnosticada com leucemia mieloide, ela teve a vida transformada após um transplante de medula óssea com um doador fora do núcleo familiar. Antes do procedimento, Rogéria admite que sentiu medo diante da doença e da incerteza quanto à compatibilidade. “No início, veio o medo, a dúvida de como seria encontrar um doador. Meu irmão era 50% compatível, mas infelizmente não pôde doar. Felizmente, encontrei um doador 100% compatível no REDOME. O tratamento foi difícil, teve muitas etapas, mas quando chegou o dia, foi a melhor sensação do mundo”, relatou.

Hoje, com o transplante realizado, Rogéria tem uma nova perspectiva de futuro e sonha em conhecer a pessoa que lhe “deu a vida novamente”. “A doação de medula óssea é um ato de amor e generosidade que transforma vidas. Ao se registrar como doador, você está dando esperança e uma segunda chance a alguém que precisa. É um processo simples, seguro e pode fazer toda a diferença”, finaliza.

Cadastramento terá Dia D

Para conscientizar sobre a importância da doação de medula óssea, o Hemocentro do Rio Grande do Norte (Hemonorte) lançará nesta segunda-feira (12), a campanha “A vida deve ser compartilhada” e no próximo sábado (17), das 13h às 17h, ocorrerá o Dia D para o cadastro de medula dentro das ações da campanha.

Em 2024, o RN realizou 165 transplantes de medula, 58 a mais do que em 2023. Contudo, ainda há 53 pessoas na fila aguardando um doador compatível. Para ser doador, precisa ter entre 18 e 34 anos e meio, não apresentar histórico pessoal de doenças oncológicas, apresentar um documento de identidade e telefones para contato. Pessoas já cadastradas devem ficar atentas para o caso de serem convocadas.

Se houver mudança de endereço ou de contato, o Hemonorte reforça a importância de atualizar os dados no site e no aplicativo do REDOME.