
O Rio Grande do Norte registrou a abertura de 51.733 empresas nos primeiros 11 meses de 2025, impulsionada principalmente pelos pequenos negócios, que abarcam 97% desse total, somando 49.930 empreendimentos. A quantidade de pequenas empresas abertas subiu 32,7% em relação a 2020, quando 37.609 empreendedores se formalizaram e representavam 76% do total. Segundo o boletim Pequenos Negócios em Números, elaborado pelo Sebrae/RN, a maior parte pertence ao segmento de comércio e serviços.
O boletim mostra que a maioria dos pequenos negócios abertos têm até quatro empregados, modelo que inclui MEIs (microempreendores individuais), negócios familiares ou operações enxutas, como a de Gabriela Silva, 27 anos, dona de uma doceria em Felipe Camarão, na Zona Oeste de Natal. “Antes eu era sozinha; hoje tenho uma funcionária e outra menina que colabora em dias de maior movimento. E graças a Deus está dando certo”, diz.
Mas Gabriela começou informalmente ao mesmo tempo em que trabalhava no regime CLT. Ela saiu do interior do estado, de Riacho da Cruz, e passou quase 10 anos trabalhando como doméstica na capital. Nas horas vagas, fazia sobremesas por encomenda. “Eu trabalhava e, à parte, vendia minhas sobremesas. Comecei a gostar, os clientes aumentaram e o negócio cresceu”, lembra.
Em 2024, ela decidiu investir tudo o que tinha para abrir um ponto físico. Alugou e reformou o espaço, desenhou a própria estrutura da loja e inaugurou em junho deste ano, formalizando com um CNPJ de Microempreendedora Individual (MEI). “Aqui tem muita concorrência nessa área, mas a gente vai se reinventando, trazendo produtos que o bairro ainda não tem”, explica.
Os pequenos negócios seguem sendo o motor do emprego formal no estado. O boletim registra que, apenas entre janeiro e novembro de 2025, o saldo de empregos formais gerados pelos pequenos negócios foi de cerca de 19,3 mil vagas, depois de um recorde de 34,6 mil em 2024 e 21,9 mil em 2023. De janeiro a novembro de 2025, o setor de alimentação está entre os cinco segmentos com maior saldo de empresas no estado. No mesmo grupo estão Logística & Transporte, Saúde & Bem Estar, Casa e Construção e Educação.
Por trás dos números, há trajetórias que revelam um movimento de reinvenção, risco e persistência. Aos 37 anos, o barbeiro Filipe Menezes abriu seu negócio em Lagoa Nova, bairro da zona Sul de Natal. A iniciativa é, na verdade, um recomeço, já que ele mantinha sua empresa, uma barbearia, no bairro das Quintas, na zona Oeste. Ele admite que a mudança trouxe dificuldades. Ao migrar para uma região de maior poder aquisitivo, Filipe diz que perdeu 85% do público e precisou reconstruir a clientela quase do zero. “Tive que investir no marketing, tanto no tráfego pago como no orgânico, além de panfletagem e anúncios para alcançar novos clientes”, conta.
Em menos de um mês de funcionamento, a barbearia passou de um ou dois atendimentos por dia para uma média de dez. “A gente está atendendo bem. Para quem quase não estava atendendo ninguém, está ótimo”, diz.
Para empreendedores como Filipe e Gabriela, 2026 chega com otimismo. Ele já planeja abrir uma nova unidade entre a Zona Sul e a Zona Leste. “O crescimento vai vir em 2026, de 50% a 70%. Foi Deus que disse”, afirma. Gabriela aposta em expansão do cardápio, da loja física e fidelização de clientes.
A cartografia do empreendedorismo potiguar também mostra força fora da capital. Mas, embora municípios da Região Metropolitana concentrem 57,2% das empresas do Simples, municípios como Mossoró, Caicó, Assú e Currais Novos aparecem entre os que mais concentram pequenos negócios em 2025, reforçando a tendência de interiorização.

Sebrae vê avanço, mas alerta para desafios de gestão
Para Alinne Dantas, gerente da Unidade de Gestão Estratégica do Sebrae/RN, o aumento de aberturas de empresas é resultado de fatores simultâneos: facilidade digital para abrir CNPJ, crescimento do MEI e um movimento híbrido de empreender por oportunidade e por necessidade. Atualmente, o estoque de pequenos negócios no RN é de mais de 271 mil ativos, dos quais mais de 209 mil optantes do Simples Nacional. “Quando a base aumenta, é natural que o número absoluto de encerramentos também cresça: há mais empresas ‘rodando’ e, portanto, mais empresas em ciclo de fechamento normal”, diz.
Apesar do avanço, o Sebrae também aponta que o número de empresas fechadas mais que dobrou nos últimos anos. Em 2025, foram 29.382 encerrando atividades, o que reduziu o saldo final, embora ele ainda seja positivo. Em 2020, de 37.609 abertas, 12.540 fecharam.
Aline considera parte desse movimento natural, reflexo do aumento do estoque total. Mas faz um alerta: “Parte é proporcional ao aumento da base de empresas, mas o fato de os fechamentos terem mais que dobrado e o saldo ser menor do que em 2020 acende um sinal de alerta para a sustentabilidade dos negócios”, afirma. Segundo ela, isso reforça a importância de planejamento estratégico e suporte técnico desde o início da operação.
O boletim também revela o perfil dos novos empreendedores. “É majoritariamente de MEI e microempresa: mais de 40 mil negócios abertos em 2025 estão nas faixas até R$ 360 mil ao ano”, detalha. São empreendimentos pequenos, altamente sensíveis a variações de renda, crédito e comportamento do consumidor.
O desafio agora, segundo a analista, é garantir que a expansão se converta em qualidade e longevidade. Ela reforça que o ritmo de 2025 dificilmente se repetirá com a mesma intensidade, mas tende a se manter alto em 2026. “O mais importante é transformar esses CNPJs em negócios sustentáveis, com menor mortalidade e maior geração de empregos”, pontua.
MEI, “uberização” e nova dinâmica do trabalho
O economista Ricardo Valério avalia que o aumento da abertura de empresas no RN em dez anos reflete uma transformação profunda no mercado de trabalho brasileiro, marcada pela expansão do MEI, pela “uberização” e pela pejotização. “A economia do Rio Grande do Norte é fortemente impulsionada em mais de 70% pela pujança do setor de comércio e serviços. Dessa forma, não é surpresa o aumento no crescimento de novas empresas até novembro”, afirma.
Para ele, o crescimento do MEI é decisivo. “Os MEIs vêm contribuindo muito para o crescimento geométrico do empreendedorismo, e isso nos parece um caminho sem volta, notadamente entre os trabalhadores mais jovens”, observa. O economista cita a flexibilização das relações de trabalho como motor dessa dinâmica. “Os fenômenos da uberização e da pejotização estão mudando muito a situação das relações de trabalho. Daí o crescimento dos trabalhos por conta própria”.
Valério avalia que o movimento é composto tanto por empreendedores por necessidade quanto por oportunidade. Ele critica, contudo, o patamar atual da taxa Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira. “Temos uma taxa Selic absurda e desnecessária de 15%, o que trava o crescimento econômico, mas ainda assim o mercado de trabalho está resiliente”.
Segundo ele, as expectativas para 2026 são de evolução moderada e o maior ponto de atenção continua sendo a mortalidade das empresas. “A economia tende a ser dinamizada em 2026. O mercado de trabalho está aquecido e isso contribui para o surgimento de novas empresas. A única preocupação é o número de mortalidade das empresas, porque muitos novos empreendedores ainda precisam de qualificação”, afirma. O cenário, segundo ele, é de mudança estrutural: digitalização, simplificação de processos, abertura totalmente virtual de empresas e novos padrões de trabalho.