A população brasileira com mais de 60 anos está crescendo e chegou a mais de 32 milhões no Censo do IBGE de 2022. Contudo, também tem sido crescente o índice de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) nessa faixa etária. De acordo com boletins epidemiológicos divulgados pela Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), na última década, de 2013 a 2023, houve aumento nos casos de sífilis (1.494,44%), hepatite C (180%) e HIV (103,57%) no Rio Grande do Norte. A hepatite B foi a única das ISTs monitoradas que teve uma baixa, de 30,76%.
Especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE apontam que esses números acendem um alerta nos serviços de saúde, os quais não costumam reconhecer essa população como sexualmente ativa. Nos levantamentos, a Sesap/RN, com base em notificações de sistemas federais, indicou que o total de idosos infectados com HIV era de 28, em 2013, chegando a 57, em 2023, número que ultrapassa o dobro. A incidência de sífilis aumentou quase 15 vezes nesse período, passando de 18 para 287 casos. Dados referentes à hepatite B apresentaram redução de 13 para nove. Quase dobrou o número de casos de hepatite C: de 20 para 56.
Conforme o Ministério da Saúde, as ISTs “são causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos. Elas são transmitidas, principalmente, por meio do contato sexual (oral, vaginal, anal) sem o uso de camisinha masculina ou feminina, com uma pessoa que esteja infectada”. São exemplos de ISTs: herpes genital, sífilis, gonorreia, clamídia, tricomoníase, infecção pelo HIV, infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV), além das hepatites virais B e C.
À medida que essa população cresceu, novas dinâmicas surgiram e as preocupações com a saúde e o bem-estar dessa faixa etária acompanharam esse crescimento. O médico infectologista André Prudente, diretor do Hospital Giselda Trigueiro, em Natal, conta que essa população, agora mais longeva e com mais qualidade de vida, mantém suas atividades sexuais.
Conforme Prudente, as pessoas idosas têm sido cada vez mais infectadas, o que se deve a uma série de razões. A atividade sexual aumentou, no entendimento dele, com a introdução de medicamentos para a impotência sexual em homens e mulheres. Com a volta dessas práticas, surge a preocupação com a saúde sexual dessas pessoas.
“Os idosos, principalmente os que têm mais de 70 anos, foram criados, foram adolescentes, adultos e jovens, em uma época que coincidiu, por exemplo, com Woodstock, da liberação sexual”, diz André. Segundo ele, “essas pessoas têm incutido na sua cultura o não uso do preservativo. E agora elas, voltando à atividade sexual, um idoso de 70 anos, que não tem mais a sua parceira ou seu parceiro fixo, [transa] com outras pessoas, profissionais do sexo, por exemplo. E, como eles têm dificuldade de usar preservativo, acabam ficando bastante sujeitos a infecções sexualmente transmissíveis”.
Já o urologista Maryo Kempes destaca que falar de sexualidade com a população idosa ainda é um tabu, até mesmo dentro das unidades de saúde. “A gente acha que essas pessoas não namoram, que essas pessoas não têm relação sexual, que essas pessoas não têm doença, e têm. Então, a gente tem que abordar o paciente da terceira idade da mesma maneira que abordaria um adulto. A gente tem que falar sobre isso, a gente tem que falar no consultório – o geriatra, o clínico, o urologista, a ginecologista”, pontua.
Esse pensamento é acompanhado pela médica infectologista Monica Bay: “Os profissionais de saúde precisam ver essa população como sexualmente ativa, perguntar ativamente sobre práticas sexuais, orientar sobre o uso de preservativo e outros métodos de prevenção, como a PrEP [Profilaxia Pré-Exposição] e a PEP [Profilaxia Pós-Exposição de Risco à Infecção pelo HIV e pelas Hepatites Virais]”, avalia Monica, que também é professora do Departamento de Infectologia da UFRN.
Maryo Kempes vê o aumento de ISTs em idosos como preocupante e acredita que ainda pode existir subnotificação de casos. A notificação dessas infecções é compulsória, ou seja, o profissional de saúde que diagnosticar é obrigado a comunicar o caso, que entra nas estimativas oficiais. “O médico é obrigado a diagnosticar uma sífilis para qualquer paciente, notificar. Muita gente não notifica. Então, acredita-se que haja subnotificações”, afirma.
Imunidade é um fator de alerta
O médico André Prudente orienta que os profissionais de saúde ofereçam os testes de ISTs, também, à população idosa. Com esses exames, explica, é possível diagnosticar uma infecção que ainda não tenha manifestações clínicas antes que ela se agrave. O diagnóstico tardio complica o tratamento das pessoas idosas, que já têm baixa imunidade.
“Os idosos têm uma característica que a gente chama de imunossenescência, a queda da imunidade com o passar dos anos, que, somado com qualquer doença infecciosa, se torna mais grave do que nas pessoas com menos idade. Principalmente o HIV, que pode trazer diversas consequências, como infecções oportunistas a que os idosos estão muito mais sujeitos. Então, o risco de ter complicações, inclusive óbito, é muito maior”, alerta. “Não é só adoecer, e sim adoecer gravemente”, adiciona.
Para Maryo Kempes, esse tema ainda “não é muito abordado no consultório médico de uma maneira geral, por preconceito, tabu”, e “isso faz com que acabe passando despercebido, o que vem complicando a vida de idosos. Porque o que acontece? O paciente idoso já tem uma imunidade mais baixa do que um paciente jovem; ele está mais propício a pegar as DSTs do que um paciente jovem”.
Sobre os termos DST e IST, Kempes explica que nos últimos dez anos houve uma mudança e foi adotada a forma IST, que dá ênfase à infecção. “Porque, quando a gente fala DST, a gente fala doença”. A pessoa pode ter infecção pelo vírus (HIV) e não desenvolver a doença (Aids).
“A diferença é que o HIV é a fase inicial da doença, onde a pessoa não tem essas manifestações oportunistas, e também tem a imunidade ainda boa, porque a doença vai destruindo a imunidade ao longo do tempo, em uma média de oito a dez anos se a pessoa não for tratada”, acrescenta André.
Segundo os profissionais ouvidos pela reportagem, outras ISTs são comuns nessa faixa etária, como a gonorreia e a herpes genital. “A preocupação não é uma preocupação brasileira, mas essa preocupação é mundial sobre o aumento das ISTs na população dessa idade”, diz Maryo Kempes.
Para o urologista, os remédios para impotência, como viagra e tadalafila, trazem de volta a vida sexual de pessoas 60+. Eles são “extremamente seguros”, além de estarem entre os medicamentos mais procurados. “Hoje em dia, você não tem mais ninguém impotente, todo mundo está namorando. Só que eles namoram ainda com aquele conceito que eles tinham na época de solteiro, 40 anos atrás, quando não usavam camisinha”, completa.
Dados no RN
Casos de HIV em 2013: 28
Casos de HIV em 2023: 57
Aumentou em 103,57%
Casos de sífilis em 2013: 18
Casos de sífilis em 2023: 287
Aumentou em 1.494,44%
Casos de hepatite B em 2013: 13
Casos de hepatite B em 2023: 9
Diminuiu em 30,76%
Casos de hepatite C em 2013: 20
Casos de hepatite C em 2023: 56
Aumentou em 180%
Fonte: boletins da Sesap/RN