
Considerada uma área primordial para o desenvolvimento industrial e tecnológico do país, o ramo das engenharias, de maneira geral, tem sofrido um apagão de profissionais e enfrentado a resistência de novos estudantes. É o que apontam dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que cita um déficit de pelo menos 75 mil engenheiros no Brasil. Além disso, uma pesquisa do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) aponta que, por uma série de motivos, apenas 12% dos jovens querem cursar engenharias.
A pesquisa do CIEE, feita em parceria com o Instituto Locomotiva, surgiu a partir de demandas de universidades brasileiras que queriam entender as razões pelo desinteresse pelas engenharias e áreas de exatas. Dados do Indicador de Fluxo da Educação Superior do INEP, de 2019, apontam que 68,74% dos alunos desistiram do ensino superior de engenharia entre 2012 e 2019.
“Um país que não tem engenheiros é difícil de se ter desenvolvimento. Tudo que envolve infraestrutura, gestão, grandes obras dependem sempre de engenheiros. Não temos grandes obras com essa inteligência artificial que vai construir. A I.A não vai construir uma ponte, por exemplo”, resume o superintendente Institucional e de Inovação do CIEE, Rodrigo Dib.
A pesquisa do CIEE, feita com 1.150 estudantes do Ensino Médio, revelou que apenas 12% têm interesse em cursar Engenharia, o que equivale a 2,3 milhões de jovens no Brasil, segundo estimativa baseada na PNAD 2024. Os dados indicam que a insegurança com Matemática, o alto custo da graduação e a falta de identificação com a carreira são fatores decisivos para esse desinteresse.
Para especialistas e representantes de órgãos ligados às engenharias no Rio Grande do Norte, os dados são preocupantes e alarmantes para o futuro do desenvolvimento nacional. Isso porque o Brasil está no centro das discussões de temas importantes, como transição energética, descarbonização, mineração de metais estratégicos, cidades inteligentes e infraestrutura sustentável, automação, inteligência artificial e robótica, entre outros assuntos.
“O Brasil tem 5,5 engenheiros para cada 1.000 habitantes. Nos Estados Unidos, esse número é de 25. No Peru, essa proporção é de 10, por isso eles estão começando a dar sinais de altivez. No que isso implica? Que não teremos mão de obra daqui há algum tempo para construir nossa infraestrutura necessária. Se o país crescer para onde precisamos, que é de levar mais energia, mais estrada, mais água, serviços de esgoto, não teremos engenheiros e muito menos novas soluções e produtos que venham da engenharia. O que passa por qualidade de vida e desenvolvimento, surge das engenharias. Se temos uma máquina de ressonância, aquilo foi uma solução de engenharia”, avalia o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RN), Roberto Wagner.
A pesquisa do CIEE trouxe ainda outro dado passível de reflexão: qual seria o principal motivo para uma possível desistência do curso de engenharia? Os dados apontam que 59% desistiriam por fatores pessoais ou externos e 39% por fatores relacionados ao curso, como dificuldades financeiras (23%), interesse em outras áreas (19%), insegurança com o mercado de trabalho (11%), dificuldade com Matemática ou matérias que envolvam cálculos (10%) e excesso de carga horária, ambiente acadêmico desanimador e pouca aplicação prática e muita teoria (7%).

Base educacional precisa ser fortalecida
Coordenadores de cursos de engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) avaliam os dados da pesquisa como um sinal de alerta de que algo precisa ser feito no Brasil para recuperar o interesse dos jovens pelas engenharias.
O coordenador do curso de Engenharia de Produção da UFRN, Werner Soares, atribui a queda nas engenharias a um movimento nacional também de desestímulo ao ingresso no ensino superior. Em 2016, por exemplo, 5,6 milhões compareceram a todas as etapas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), enquanto que o número caiu para 2,67 milhões em 2023. Ele cita ainda que a universidade tem feito “a sua parte”, com ações do Núcleo Interdisciplinar de Suporte ao Estudante (NISE) e Mostras de Profissões. Mesmo assim, o trabalho precisa ser amplo, segundo ele.
Ainda de acordo com o coordenador, a universidade não existe para “atender ao mercado, mas sim ambos existem para atender à sociedade”. Ele cita, por exemplo, a China, que tem feito investimentos pesados em pesquisas acadêmicas em terras raras. “A China está investindo em cursos de graduação e pós em terras raras. O Brasil precisa ter esse plano de longo prazo”, afirma.
“Temos que gerar interesse pela engenharia, e é um ciclo: se você vê profissionais se dando bem na área, você vai estimular mais estudantes a quererem a área. Nosso futuro é com tecnologia, e a engenharia é praticamente o carro-chefe, que é o que faz a ciência ser aplicada à vida das pessoas”, explica Werner Soares.
Na avaliação do professor e coordenador do curso de Engenharia Elétrica, José Patrocínio da Silva, é importante que a base seja fortalecida para recuperar o interesse dos estudantes pelas engenharias. Ele cita ainda que a UFRN e os cursos de engenharia têm tentado promover alterações nas bases, visando tornar as graduações mais atrativas e evitando a evasão.
“O que temos feito, e a UFRN também tem feito junto com os cursos de engenharia, que foram convidados a mudar seus projetos político-pedagógicos, em que uma das orientações é de que 10% da carga horária seja voltada para atividades de extensão. Atrelado a isso, os cursos vêm passando por processos de modificações e ao longo dos anos estamos tirando essa dependência de muitas disciplinas da área de Matemática. Na década de 90, o estudante precisava fazer quatro cursos de física teórica, quatro cursos de cálculo teórico, fora as álgebras. Hoje isso está resumido, tentando amenizar mais essa dificuldade inicial do curso, porque quando o estudante chega na parte final, a possibilidade dele estar em laboratório, desenvolver atividades práticas, estar em contato com o setor técnico do curso, isso faz com que ele crie mais atrativo para permanência”, afirma José Patrocínio.
O presidente do CREA-RN, Roberto Wagner, aponta ainda que o sistema Confea/Crea vem interagindo com o Ministério da Educação (MEC) em busca de soluções para as ciências exatas voltadas à engenharia. Ele aponta ainda que, se nada for feito de maneira sistêmica, o Brasil poderá precisar importar mão de obra no futuro, deixando de gerar riquezas no próprio país. Além do fortalecimento das bases, ele afirma que é preciso criar políticas públicas de geração de empregos no país, como por exemplo tirar do papel as obras e projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“Um movimento do nosso sistema é que foi proibido o curso 100% a distância das engenharias, mas precisamos avançar não só nisso, mas no desenvolver da escola básica, do Ensino Médio, que dê robustez de conhecimento principalmente em Matemática”, acrescenta o presidente do CREA-RN.
Estudantes explicam motivos de desistências
São vários os motivos que levam estudantes e jovens a desistirem da carreira nas engenharias. A TN conversou com dois jovens que se enquadram em casos semelhantes. O potiguar Nathan Palhares, 29 anos, saiu da cidade de Cerro Corá para Natal para cursar Ciência e Tecnologia (C&T) na UFRN em 2015 e posteriormente Engenharia Mecânica. Como fatores para não seguir na profissão, Nathan apontou certa imaturidade com relação à definição do curso no inicio da vida adulta, aliado a expectativas em torno do mercado de trabalho, vida pessoal, além de perspectivas de remuneração. Mesmo diante dessas reflexões, ele optou por concluir o curso.
“Depois que você está lá dentro e avança algumas cadeiras, que são muito difíceis, você percebe que desistir já não é uma opção, mesmo que você não veja muitas esperanças em exercer. Então é uma junção de imaturidade, falta de planejamento e conceito chamado ‘falácia do custo afundado’, que é quando você dedica muito tempo a uma coisa, que mesmo que não faça mais sentido você ainda não desiste dela”, disse.
Ainda segundo Nathan, o desestímulo e projeções com o mercado de trabalho na sua área também foram fatores determinantes. Ele se formou em Engenharia Mecânica. “Como cursei aqui no RN, fui percebendo que exercer a profissão aqui no Estado seria complicado, quase impossível. São pouquíssimas vagas, que remuneram de maneira que não é a expectativa que se tem quando se faz o curso. A partir disso, teria que fazer uma escolha entre sair daqui – e no meu caso seria abandonar minha família – tirar meus laços que tenho, para focar em exercer uma vida profissional num contexto em que não se tinha essa expectativa”, complementa. Após finalizar o curso, Nathan mudou de profissão e hoje é analista de marketing junior.
Em outro caso, o potiguar Leniel Filho, 28 anos, natural de Florânia, foi aprovado na UFRN para o curso de Ciência e Tecnologia (C&T), o qual cursou e partiu para ênfase em Engenharia Mecânica. A desistência do curso, no entanto, veio durante o 5º período, por muitos fatores. Ele cita o desestímulo com a faculdade e diz que já tinha certeza de que não queria passar o resto de sua vida naquela carreira. Atualmente ele trabalha com gestão artística e digital para artistas musicais no RN e outros estados.
“Desde 13, 14 anos, o que eu gostava mesmo era de estar envolvido em eventos, festas. Cresci ajudando meu pai nesse segmento e enveredei por essa área de ser designer para artistas e eventos. Posteriormente, montei minha agência e nela veio um grupo de empresas voltadas para isso, para o entretenimento. Hoje me afastei da agência, porque me tornei sócio de um escritório da Full, de gestão artística”, comenta Leniel Filho.