No mundo cada vez mais digital, ainda há uma grande dificuldade para que estudantes de escolas públicas, tenham acesso ao conhecimento sobre tecnologia. A inclusão de disciplinas do gênero na grade curricular foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Política Nacional de Educação Digital, sob o argumento de que há a necessidade de passar antes pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação. Enquanto esse debate não acontece, a rede pública sequer tem internet disponível na totalidade de suas escolas. No Rio Grande do Norte, 39 sequer tem sinal de internet e em 68,9% falta laboratório de informática.Os dados, disponibilizados pela Agência Nacional de Telecomunicações no painel de conectividade das escolas, apontam que, das 2.794 (1.585 na área urbana e 1.209 na área rural), há 1.925 (68,9%) sem laboratório de informática. Os números incluem a rede de ensino pública de competência federal, estadual e municipal.
Da rede federal, todas as 26 têm internet e laboratórios de informática. A maioria que sofre com a deficiência de acesso às tecnologias, a começar pela dificuldade de acessar a rede mundial de computadores, está na abrangência dos municípios. São 39, estando 35 na área rural, que sequer dispõem de sinal de internet. Outras 1.691 não têm laboratório de informática.
Nas estaduais, todas as unidades aparecem com sinal de internet, mas 234 (39,9%) ainda necessitam de um laboratório, ambiente adequado para aulas sobre conhecimentos digitais.
A Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC) informou que está trabalhando para ampliar os espaços de informática em suas unidades de ensino. “Prova disso é que está em fase de licitação o projeto de levará internet de banda larga, isto é, de alta velocidade, para todas as unidades de ensino. Trata-se do Geração Conectada, um dos eixos do Programa Nova Escola Potiguar, que prevê a realização de programas pedagógicos com foco na inovação e no uso das TICs (tecnologias de informação e comunicação)”, disse em nota.
De acordo com a pasta, serão adquiridos equipamentos (notebooks, computadores de mesa, periféricos), além do citado sinal de banda larga, para todas as escolas da rede estadual. Para a compra de equipamentos e alinhamento de ações serão investidos R$18 milhões.
O esforço é para incluir os alunos na era digital e prepará-los para as inovações tecnológicas, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Para o professor Dennys Leite Maia, da área de Tecnologia Educacional, vinculado ao Instituto Metrópole Digital (IMD), não existe a necessidade de todas as pessoas aprenderem a programar e desenvolver software, por exemplo, mas, sim, de desenvolver habilidades informacionais e competências relacionadas ao mundo digital, porque esse campo deve ampliar possibilidades, como as de emprego.
“Se pensar em ferramentas mais simples, não necessariamente no sentido que as pessoas agora vão ter que aprender a programar e dominar diferentes linguagens de programação mas, sim, cada vez mais fazer tratamento apurado de informação, ter noções de pensamento computacional, eu acho que é é um caminho que vai se tornar sem volta”, avalia o professor.
Neste sentido, a robótica aparece como um dos elementos desse conjunto de competências e habilidades necessárias para o desenvolvimento dos estudantes. A robótica é o ramo educacional responsável pela tecnologia em máquinas, computadores, softwares e sistemas, com controle mecânico e automático.
“É uma possibilidade interessante, na perspectiva de usar essas tecnologias em que o aluno seja protagonista do início ao fim. Eu acho que o aluno tem que projetar as soluções para o problema que é apresentado a ele para que mobilize esse conhecimento de programação, da prototipação do design do robô e da solução do problema”, explica o professor, que coordena o Programa de Pós-graduação e Inovação em Tecnologias Educacionais (PPgITE) da UFRN.
Vetada
Na quarta-feira (11), o presidente Lula sancionou a Lei 14.533, de 2023, que cria a Política Nacional de Educação Digital, com medidas de incentivo ao ensino de computação, programação e robótica. Contudo, a norma foi publicada com vetos. Um desses ao dispositivo que incluía a educação digital, com foco no letramento digital e no ensino de computação, programação, robótica e outros, como componente curricular do ensino fundamental e do ensino médio.
Na justificativa, o presidente diz que a proposição contraria a Lei 9.394/1996. Essa lei prevê que a inclusão de novos componentes de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular deve ser aprovada pelo Conselho Nacional de Educação e homologada pelo ministro da Educação.
O professor Dennys Leite, coordenador da Pós-graduação e Inovação em Tecnologias Educacionais da UFRN, diz que o veto se justifica porque, de fato, esse rito precisa ser seguido. “Mas nada impede que estados, municípios e escolas usem parte do que é possível para criar, na perspectiva até de atender a diversidade de interesses da região, esses componentes. Mas em nível nacional, tem que haver sempre o debate”, pontua.
Sesi oferece ensino em tecnologia
Os números sobre a conectividade das escolas apontam para a dificuldade de oferecer no ensino público os conhecimentos digitais necessários para preparar os estudantes para a era tecnológica. E para compreender se é difícil isso acontecer, não precisa ir longe. No Rio Grande do Norte, as escolas da rede Sesi já oferecem disciplinas do gênero desde 2015.
A Escola Sesi de São Gonçalo do Amarante, por exemplo, é referência em metodologias inovadoras. Com infraestrutura de alto nível, robótica integrada ao currículo, laboratórios equipados, lousa digital, conteúdos curriculares inovadores e diversas possibilidades, além de material didático atualizado periodicamente, a escola se apresenta como uma realidade possível, mas distante das escolas públicas.
Eloá Queiroz, 12 anos, está no 8º ano e tem acesso à educação digital e tecnológica desde que ingressou nessa escola. “Hoje já consigo programar saídas, algo que achava que era muito difícil; montar os robôs e seus anexos, entre outras coisas que já desenvolvo”, conta.
O sonho da menina é ser médica e ela sabe que será possível aplicar os conhecimentos inovadores nessa área. “Tenho consciência que daqui a um tempo as cirurgias deverão utilizar ainda mais máquinas, então tenho o desejo de aplicar esse conhecimento na medicina, com cirurgias programadas e executadas com apoio de robôs”, prevê a estudante.
Na escola, a partir do 6º ano os alunos dispõem do ensino sobre novas tecnologias. O professor de oficinas tecnológicas e física, Josinaldo Araújo, explica que se trata de disciplinas transversais próprias da rede Sesi que complementam a grade curricular dos alunos. Cada turma conta com duas aulas por semana.
“Precisamos nos preparar para a era tecnológica que já chegou. São trabalhadas a criatividade, modelagem computacional, lógica de programação, mentalidade maker. A robótica é utilizada como ferramenta de forma prática e lúdica”, explica o docente.
Com acesso a recursos e metodologias inovadoras voltadas a esse cenário digital, o conteúdo é alinhado com a abordagem STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática), na qual os alunos são provocados a desenvolverem soluções para problemas do mundo real, num contexto voltado para a industria, mercado e empreendedorismo.
O professor Josinaldo defende a necessidade de introduzir esses conhecimentos em todas as escolas, mas reconhece que isso não acontece sem investimentos em infraestrutura e recursos humanos.
“Acredito fortemente que é possível. Aqui contamos com recursos de última geração, mas há escolas que não têm sequer recursos mínimos e precisaria de recursos humanos também. Não adianta ter professor que não tem formação e conhecimento na área para utilizar esses equipamentos e recursos. Precisa capacitar profissionais”, enfatiza.
O resultado imediato aparece nas competições nacionais e internacionais que os alunos participam. A equipe de Eloá, por exemplo, já criou um fone que reduz o ruído para pessoas autistas que praticam esportes. Geralmente os autistas são sensíveis ao barulho e sentem-se incomodados e desconcentrados em ambientes assim.
Os alunos também já desenvolveram uma embalagem para o transporte de objetos, garantindo maior integridade e resistência e neste ano estão criando um painel solar para ser acoplado ao sistema de aquaponia (que integra o cultivo de peixes e hortaliças em sistemas de recirculação de água e nutrientes), reduzindo o custo com energia para essa atividade.
Também foi da escola a invenção da ‘Jujuba Nutrinim’, um doce capaz de mitigar os efeitos de perda e restituir o paladar e olfato de pacientes em tratamentos contra o câncer, como quimioterapia e radioterapia.