ESTADO DO RN REGISTRA QUASE 3 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS POR HORA

 Foto: Alex Régis/ Tribuna do Norte

O Rio Grande do Norte registrou, só em janeiro de 2024, quase três violações de direitos em relação a crianças de 0 a 14 anos. É o que apontam dados do Disque 100, plataforma do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O tema voltou à tona no Estado após a prisão de duas mulheres acusadas de tortura e maus-tratos contra suas próprias filhas, uma criança e uma adolescente. Segundo os dados do Disque 100, só em janeiro de 2024 foram registradas 289 denúncias e 1.902 violações de direitos, isso porque uma denúncia pode ter mais de uma violação. O número é ligeiramente menor do que em relação ao mesmo período de 2023, quando foram registradas 308 denúncias e 1.911 violações.


Na avaliação de especialistas em Direito Infantil, psicólogos e conselheiros tutelares, a violação de direitos é qualquer atitude de pais ou tutores que negligenciem questões básicas das crianças, como direito à educação, acesso à saúde e alimentação, lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Em alguns casos, a denúncia só acontece após vários meses de violação do direito daquela criança.


Para o psicólogo, assessor técnico e consultor de proteção a infância, Gilliard Medeiros Laurentino, o período de férias acaba intensificando o contato entre agressores e vítimas, o que pode ser um fator de risco para crianças que já sofrem maus tratos.


“Esse período de férias em si é um que sempre tem aumento de violências contra crianças e adolescentes das mais diversas ordens. As crianças passam a maior parte do tempo em casa, não estão na escola, e as violências que acontecem no Brasil com crianças acontecem sempre dentro de casa, seja violência sexual, maus-tratos ou outras violências”, aponta.


Para a conselheira tutelar Edbegna Aquino, do Conselho Tutelar zona Sul, o fator desemprego também se soma a mais um agravante para crianças vítimas de maus-tratos. “Essas denúncias têm aumentado também devido ao desemprego, com os pais ficando mais perto dos filhos, além da falta de vagas escolares em creches, por exemplo. Com os filhos em casa, acaba tendo a agressão por parte dos pais, padrastos, tios”, reflete.


O psicólogo, assessor técnico e consultor de proteção a infância, Gilliard Medeiros Laurentino, aponta ainda que apesar do Brasil possuir legislações que dispõe sobre esses crimes e violações de direitos às crianças, ainda falta rede de apoio para acolher e atender essas vítimas. Ele cita exemplos como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Henry Borel (14.441/2022).


“No aparato legal temos uma gama de serviços que deveriam funcionar para lidar com essas questões, mas quando vamos para a prática é mais complicado. Por exemplo: municípios de pequeno porte, com 3 a 5 mil habitantes, as questões de média e alta complexidade não são de responsabilidade deles. Os CREAs já não existem, eles acabam dependendo do CRAS e do Conselho Tutelar. A rede para os pequenos municípios é mais difícil”, aponta.

Violência naturalizada
O promotor do Ministério Público do RN, Marcus Aurélio de Freitas Barros, aponta que o alto índice de violações de direitos identificado se deve a um fator cultural preponderante que é a naturalização da violência doméstica contra crianças e adolescentes, na forma de castigos e abusos.


“Por tratar de casos originados de fatores múltiplos e complexos, como questões socioculturais e familiares, a efetivação da Lei demanda o contínuo aprimoramento de políticas públicas e ações da sociedade civil em fomento ao combate, educação e prevenção de casos de violência (física ou psicológica) contra sujeitos em desenvolvimento. Daí porque a tendência é, na verdade, que esses números caiam com o passar dos anos, como fruto do enfrentamento consistente e do envolvimento de Estado, família e sociedade”, explica o promotor.

Crianças passam por perícia

As duas meninas que foram resgatadas pela Polícia Civil na semana passada após denúncias de maus-tratos e tortura praticadas pelas próprias mães passaram por mais uma perícia médica e psicológica no Itep. O procedimento é comum nesse tipo de investigação. O resgate aconteceu no bairro Parque das Nações, em Parnamirim, na última sexta (02). Elas estão em uma casa de acolhimento.


A Polícia Civil afirmou ainda que as mães também privaram as vítimas de alimentação e realizaram agressões contra elas quase todos os dias, de acordo com a titular da Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente de Parnamirim, Ana Gadelha. A Polícia Civil não informou a identidade das duas mulheres acusadas. Informações apuradas pela TN dão conta de que ambas são professoras, uma da UFRN e outra da UERN. As duas mulheres negam as acusações.


Segundo a delegada, as investigações constataram que as agressões começaram a ocorrer um ano após a adoção da criança e da adolescente. As vítimas (que não tiveram idades reveladas por questões de preservação e foram as primeiras a serem ouvidas) detalharam o cotidiano com as duas mães. A Polícia concluiu que há materialidade e indícios concretos dos crimes. Para isso, foram ouvidas 17 pessoas e foram utilizados laudos periciais. Essas agressões ocorriam tanto de forma física quanto psicológica, ainda segundo a delegada.


A reportagem tentou contato para ouvir a versão da defesa das mães, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. O espaço está aberto.

Tribuna do Norte