Os desafios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) vão além da necessidade de superar os atrasos para concluir o Censo Demográfico 2022.
Restrições orçamentárias, queda no número de funcionários efetivos e dificuldade para recomposição do quadro fazem parte dessa lista, aponta a Assibge, que representa os trabalhadores do órgão de pesquisas.
Segundo a entidade sindical, o IBGE tinha 4.009 servidores efetivos em dezembro de 2022. O número é 42,5% menor do que o registrado em igual mês de 2010 (6.971), o ano da última edição concluída do Censo.
Do total de efetivos, em torno de 24% podem se aposentar a qualquer momento, conforme a Assibge. Diante desse cenário, o sindicato defende a reposição do quadro de trabalhadores por meio de concursos públicos.
“Muitos servidores estão esperando o Censo terminar para se aposentar, porque esse é um momento importante”, relata Bruno Perez, diretor da executiva nacional da Assibge.
Assim como ocorre durante o Censo, que costuma ser feito a cada dez anos, o instituto precisa de trabalhadores temporários para realizar as outras pesquisas.
A Assibge afirma que há cerca de 5.000 temporários em atuação hoje, excluindo os contratados especialmente para a operação do Censo.
“Mais de 50% da força de trabalho é formada por temporários. É algo ruim porque eles ficam no máximo três anos”, diz Perez.
Em nota, o IBGE afirma que houve pedidos de concurso público para recomposição do quadro permanente já no final do ano passado. A direção interina do instituto também se diz “sensível a todas essas questões”.
“No entanto, deliberações de médio e longo prazo sobre isso só poderão ser tratadas entre o atual governo e a futura direção do IBGE, que deve ser definida em breve”, afirmou o instituto.
O economista Eduardo Rios Neto foi exonerado do cargo de presidente do IBGE no início de janeiro, logo após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Rios Neto está sendo substituído de maneira interina por Cimar Azeredo, diretor de pesquisas do instituto.
No governo Lula, o IBGE está sob o guarda-chuva do Ministério do Planejamento, comandado por Simone Tebet. Na gestão de Jair Bolsonaro (PL), o instituto fazia parte da estrutura do antigo Ministério da Economia, liderado por Paulo Guedes.
Tebet ainda não anunciou o nome que ficará à frente do IBGE. Uma das possibilidades é a permanência de Azeredo no cargo interino até a conclusão do Censo, cuja divulgação dos dados definitivos está prevista para abril.
TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA
Durante o mandato de Bolsonaro, o instituto foi alvo de ataques dentro do próprio governo. Em julho de 2021, Guedes disse que o IBGE estava na idade da “pedra lascada”.
A declaração gerou críticas ao ministro à época, já que caberia ao governo a tarefa de modernizar as condições de atuação do órgão de pesquisas.
Ex-presidente do IBGE, o economista Sérgio Besserman Vianna avalia que a transição tecnológica não é um desafio exclusivo do instituto brasileiro. A transformação também impacta a rotina de órgãos estatísticos no exterior, diz.
Na visão de Besserman Vianna, que presidiu o IBGE de 1999 a 2003, o instituto já vem modernizando processos, e a adoção de ferramentas tecnológicas neste Censo é um exemplo disso.
Segundo ele, há necessidade de mais avanços, e o uso de registros administrativos (dados de outros órgãos públicos) deveria ser ampliado para a produção de estatísticas.
“O mundo passa por uma revolução no que diz respeito a dados e informações. Todo instituto de estatística, por mais rico que seja o país, está sendo desafiado por essa nova realidade, do big data.”
O economista afirma que o “ativo mais valioso do IBGE” ainda é o capital humano e que defender a recomposição de parte do quadro de funcionários é importante. Porém, considera que, com a transição tecnológica, não há mais espaço para todas as vagas do passado.
O sociólogo Simon Schwartzman, também ex-presidente do IBGE, faz avaliação semelhante.
“Hoje o instituto precisa ter uma estrutura menor, mas bem qualificada, e que trabalhe de maneira mais integrada com outras agências, outros órgãos. Há uma tendência de confiar mais nos registros administrativos”, diz Schwartzman, que presidiu o IBGE de 1994 a 1998.
Na visão dele, a redução do quadro de funcionários não foi feita de maneira “planejada”. “O IBGE não precisa mais de uma estrutura tão espalhada. O problema é que essa redução não foi feita de maneira planejada. Teve um esvaziamento, e não se pensou em um novo modelo”, aponta.
O Censo, produzido pelo IBGE, é o retrato mais detalhado das condições demográficas e socioeconômicas da população brasileira.
A coleta das informações foi colocada em campo em agosto de 2022. Inicialmente, o instituto planejava encerrar a operação em três meses, até outubro.
O trabalho, contudo, sofreu atrasos e segue em curso depois de seis meses. Ao longo da coleta, o IBGE enfrentou dificuldades para contratar e manter em atividade os recenseadores.
Parte desses trabalhadores, contratados de maneira temporária, reclamou de atrasos em pagamentos e de valores em nível abaixo do esperado. Houve desistências e ameaça de greve na categoria.
A nova edição do Censo estava prevista para 2020, mas foi adiada para o ano seguinte em razão da pandemia. Em 2021, houve novo atraso devido ao corte de orçamento para a pesquisa.
“O desafio é a sociedade brasileira como um todo -governo federal, estados, prefeituras, setor privado- valorizar a produção de conhecimento estatístico […]. Somos uma sociedade que valoriza pouco o conhecimento”, diz Besserman Vianna.
No início deste mês, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que o IBGE “é um patrimônio do Brasil” e criticou o tratamento dado ao órgão no governo Bolsonaro.
Tebet se reuniu em Brasília com a atual diretoria e os 27 superintendentes regionais do instituto e defendeu a realização do Censo.LEONARDO VIECELIRIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)